Críticas

Bingo | Palhaçada é não assistir

Em meio à meia dúzia de produções sobre o Coringa e a algumas semanas da estreia de Pennywise nas telonas, uma produção brasileira merece entrar para o rol dos melhores filmes de palhaço do cinema. Estamos falando de Bingo: O Rei das Manhãs.

Ambientado nos anos 1980, quando acontecia de tudo na TV brasileira, o filme conta a história de Augusto Mendes (Vladimir Brichta), um ator de pornochanchada que queria ir além deste gênero e se tornar um grande astro. Com ambição e uma espontaneidade que colocaria muita gente no olho da rua, ele consegue o papel de Bingo, um palhaço que é sucesso há 10 anos nos EUA e que teria uma adaptação brazuca.

 

Um dos problemas para Augusto é que ele não pode revelar a sua identidade. Ainda assim, ele faz de tudo para garantir o sucesso do show, mesmo que isso inclua deixar a galera do politicamente correto de cabelos em pé: rola constranger crianças da plateia, tocar músicas com letras bem inapropriadas para menores e até chamar a Gretchen para rebolar no programa infantil. O resultado? Programa líder de audiência.

Com a fama, o protagonista entra em uma espiral destrutiva de sexo, drogas e rock’n’roll que todo mundo já viu em algum lugar. Além disso ele tem um balizador de caráter no seu filho Gabriel (Cauã Martins), que acaba ficando de lado quando Augusto está no ápice do sucesso do programa. É um arco bem completo e bem feitinho da jornada: ambição – ascensão – sucesso – declínio – redenção. Tá tudo lá.

 

O Bingo real

A história é baseada na vida de Arlindo Barreto, um dos interpretes do Bozo no SBT na década de 1980. Embora ele não fosse o primeiro Bozo brasileiro, e sim o terceiro, o filme é bem fiel às loucuras que rolavam na TV na época. A galera que assistia TV nos anos 1980 e começo dos 1990 vai ter uma rica experiência de nostalgia e diversão. Quem é mais jovem pode até achar que é exagero narrativo, mas há algumas situações absurdas lá que realmente aconteceram. Hoje Arlindo é pastor (de igreja, não de fazenda).

Este é o filme de estreia do diretor Daniel Rezende, que já trabalhou na edição de filmes do calibre de Cidade de Deus e A árvore da vida. E olha, dá pra esperar muitos outros feitos do menino Rezende na direção, viu? Que trabalho maravilhoso de ritmo, direção, fotografia e direção de arte. Todos os planos, enquadramentos, cores, luzes e sombras são utilizados perfeitamente de acordo com o tom que o filme exige em cada momento: ora cômico, ora insano, ora dramático. É um trabalho criativo e revigorante não apenas para o cinema brasileiro, mas para o cinema em geral. Tem um plano sequência mesmo, quando o Bingo tá no fundo do poço, que é sensacional. Assistam!

Mas se tem duas coisas que merecem ainda mais destaque aqui são: roteiro e protagonista. Como falei, o ritmo do filme é sob medida, os diálogos também são muito bem construídos e conseguem divertir e emocionar na medida certa. Em relação ao Vladimir Brichta, a gente não podia esperar um Bingo mais completo. O personagem dele possui muitas camadas: a do ator ambicioso, do pai carinhoso, do filho que quer encher a mãe de orgulho, do palhaço que entretém a criançada e do viciado que perde o controle. Todas elas entregues com maestria pelo ator. Se fosse um filme de Hollywood certamente o colocariam na A-list para o Oscar do ano que vem.

Pra quem já está cético com o cinema nacional, que costuma variar entre as comédias bobinhas e os filmes conceituais demais, Bingo se encontra bem no meio do caminho: é acessível ao grande público e ainda tem competência técnica que deixa muito filme cult no chinelo. Mesmo no cenário mundial, é uma produção que oferece criatividade, emoção e entretenimento de qualidade. Sem exageros, um dos melhores filmes do ano.

Nota:

Imagens: © João Naves

Trailer de Bingo