Um limite entre nós | Cercas, diálogos, família problemática e Denzel falando pra cacete


 

Em uma temporada repleta de oscarizáveis estilizados e com histórias não muito profundas, Um limite entre nós consegue se colocar na contramão disso tudo. Trata-se de uma adaptação de teatro com atuações poderosas e diálogos profundos que vão te fazer pensar sobre muita coisa. Principalmente quem tem uma família problemática (e quem não tem, né?).

A história fica ao redor de Troy (Denzel Washington), que rouba a cena por falar praticamente o tempo inteiro. Ele é um pai de família que trabalha como lixeiro e reclama de praticamente tudo: trabalho, família, escolhas dos filhos… Ainda assim Denzel Washington consegue trazer carisma a um personagem assombrado pelo passado e que trata as pessoas ao redor dele como posse. É de longe a atuação mais brilhante entre os indicados a Melhor Ator. Não entendo o buzz com o Casey Affleck interpretando uma variação de um personagem que ele sempre interpreta. Torcida declarada pro Denzel.

Já que entramos nas atuações, você tem um minuto pra ouvir a palavra de Viola Davis? Ok, todo mundo já sabe que ela é foda, mas no papel de Rose, mulher de Troy, a gente vê o que realmente torna um ator grandioso. A gente vê amor, respeito, obediência, muita personalidade, decepção e resiliência na mesma personagem. Ela não é só a minha preferida à Atriz Coadjuvante, é provavelmente a melhor atuação entre os 20 indicados nestas categorias. A única injustiça foi ter colocado Viola como coadjuvante, porque essa mulher toma conta da porra toda!

Voltando ao filme, é uma obra pra quem gosta de diálogos. Não tem direção de arte fabulosa, edição fora do normal ou fotografia sensacional. Você está ali pela história, que se passa quase inteiramente no quintal da casa de Troy e Rose. Sabe os filmes da trilogia de Antes do amanhecer que são pessoas basicamente falando sobre a vida? É mais ou menos por aí. As conversas preenchem o filme.
 


 

Por outro lado, essa transposição do teatro para o cinema ficou muito mais com cara de peça filmada do que de um filme vindo de uma peça. Sobra teatro e falta cinema. A gente sabe que mudar a mídia de uma história não é tão simples (adaptações de livros que o digam), mas acho que nesse caso faltou um pouco mais de ousadia. Já vimos exemplos bem-sucedidos de peças que resultaram em ótimos filmes, como Disque M para matar e Festim diabólico, ambos de Alfred Hitchcock. Denzel, que também dirigiu o filme, poderia ter aproveitado a força dos diálogos e as atuações poderosas para tomadas mais longas, por exemplo.

Eu juro que não vou gastar muito tempo reclamando de novo da tradução do título para o português, que saiu de Fences (cercas) para “Um limite entre nós”. Quem fez essa aberração claramente não teve o cuidado de assistir ao filme, que tem um lance com Troy levando uma eternidade para construir a cerca do quintal. Sem contar que a tal da cerca aparece em uma das citações mais poderosas do roteiro: “Algumas pessoas constroem cercas para manter as pessoas do lado de fora e outras pessoas constroem cercas para manter as pessoas do lado de dentro”. Sim, é uma puta metáfora.

Como eu sou uma pessoa de roteiros, é lógico que Um limite entre nós ficou entre os meus preferidos na corrida do Oscar este ano, mas não espero que todo mundo caia de amores tão facilmente. É um filme longo, com palavras pesadas e atuações brilhantes. As estatuetas de Ator e Atriz Coadjuvante seriam no mínimo justas.

Nota:

Trailer de Um limite entre nós

Veja também: Críticas de todos os indicados a Melhor Filme no Oscar 2017