A jornada emocional de Livre



Desde a primeira cena, Livre já mostra a que veio: os pés ensanguentados, a unha descolando do dedão do pé e o tênis de trekking que rola barranco abaixo, deixando a nossa protagonista descalça, indicam que a história de liberdade e superação pessoal que estamos prestes a assistir não vai ser completamente linda e transformadora. Ela busca se aproximar ao máximo da história de alguém que não está preparada e que erra (bastante), mas que aprende com isso e, desta forma, chega cada vez mais perto de alcançar o seu objetivo.

Quando leu a aventura autobiográfica de Cheryl Strayed, Reese Witherspoon fez questão de comprar os direitos da história e transformá-la em filme. O papel tem bem cara de isca de Oscar, que adora protagonistas femininas fortes, que superam duas horas de extremo sofrimento na telona. Neste aspecto, é tudo até bem previsível, inclusive a atuação de Witherspoon, mas não é difícil entender o que a fez se encantar tanto pela história de Strayed.

A maioria dos filmes de superação que encontramos por aí conta com protagonistas infalíveis, que nada mais são do que vítimas das circunstâncias (vide Naufrágo), aventureiros corajosos (Na natureza selvagem) ou pessoas que deixaram a sua marca na história (Dama de Ferro). Cheryl Strayed não foi nada disso. Ela era apenas uma ex viciada que não conseguia superar a morte precoce da mãe e tinha acabado de passar por um divórcio. Ah sim, e que decidiu encarar uma trilha que vai da fronteira dos Estados Unidos com o México até quase chegar ao Canadá. Umas mil milhas em mais ou menos três meses. Apenas.

Como eu já mencionei antes, ela estava minimamente preparada e isso fica evidente em cada adversidade que ela encontra pelo caminho, como, por exemplo, não trazer combustível compatível com o fogareiro, carregar muita coisa desnecessária e comprar calçados pequenos demais para a jornada. Sem contar o lado feminista da história, que é escancarado em todos os momentos em que ela passa medo por simplesmente por ser uma mulher e estar sozinha. E não estou falando de insetos e animais selvagens nessa hora, se é que me entendem.


Dos filmes desta temporada de Oscar, Livre está bem longe de ser o melhor. Tecnicamente, ele não tem nada de muito especial. Talvez uma edição interessante na hora de construir o passado de Cheryl, mas nada além disso. Ainda assim, foi o primeiro filme em muito tempo que me fez ir direto do cinema para a livraria. Foi uma reação muito mais emocional à história do que ao filme em si. Talvez por estar passando por um momento semelhante. Talvez pelo filme ter evidenciado valores que eu realmente dou importância. Ou talvez apenas pela persistência da personagem diante de tanta gente dizendo “você pode desistir a qualquer momento”.

Mesmo não sendo a maior produção cinematográfica do ano, é um daqueles filmes que vale assistir em diferentes momentos da vida. Seja pra achar um novo significado ou apenas para reafirmar quais valores devemos carregar conosco e quais devemos descartar como páginas já percorridas de um guia de viagem. Vale conferir nem que seja pela jornada emocional.

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