Se você também não fala a palavra Candyman cinco vezes em frente a um espelho é bem provável que tenha se apavorado com o filme de 1992 O mistério de Candyman. Na trama, a lenda urbana se mostra viva e recorre a métodos bem violentos e aterroriza uma comunidade nas periferias de Chicago.
O que nem todo mundo sabe é que a história dirigida por Bernard Rose se baseia em um conto de Clive Barker (que também escreveu Hellraiser). Originalmente escrita sob o título O proibido, a história foi publicada recentemente no Brasil em uma edição lindinha da Darkside Books com o título de Candyman.
Das páginas para a tela algumas alterações foram feitas e é delas que vamos falar neste post:
Embora as duas histórias foquem em conjuntos habitacionais onde moram pessoas esquecidas pela sociedade, o conto tem uma ambientação na periferia de Londres enquanto o filme se passa nos guetos de Chicago. Isso interfere principalmente na questão racial, da qual falaremos mais adiante.
No filme o tema da pesquisa acadêmica de Helen tem tudo a ver com a história: lendas urbanas. É assim que ela fica sabendo da história de Candyman e se dirige àquele condomínio específico. Já no livro o tiro é um pouco mais longo: ela está fazendo uma pesquisa sobre pichações e, quase que por acaso, vai parar no tal do Butt’s Court, onde habita uma entidade maligna chamada Candyman.
Um dos pontos mais icônicos da história é a forma como Candyman é invocado: dizendo seu nome cinco vezes em frente a um espelho. E se eu te disser que no livro não tem absolutamente nada disso? O “local” de Candyman não é um misterioso buraco por trás de um espelho, ele está num cômodo por trás de uma misteriosa porta. O filme aprofundou a simbologia das lendas urbanas, pegando elementos de outras histórias conhecidas, como é o caso da Maria Sangrenta, e traz todo um paralelo com a vida de Helen, já que aquele conjunto habitacional é muito parecido com o que ela mora. Só que no lado “errado” da cidade. No livro este tipo de ironia não é abordado.
Se no livro Helen conduz suas investigações praticamente sozinha, no filme ela ganha uma colega, Bernadette. O recurso é muito importante para que a protagonista possa compartilhar seus pensamentos no filme. No livro a narração dá conta disso, mas no filme uma narração em off do que a personagem pensa poderia se tornar cansativa. Ponto pra Bernadette!
A transposição da história de Londres para Chicago permitiu dar mais uma camada à história: a questão racial. No filme os moradores de Cabrini-Green são negros pobres, muitos deles envolvidos com tráfico de drogas e gangues, aumentando o abismo entre Helen e o seu objeto de estudo. No livro esta questão simplesmente não existe.
Se no filme o Candyman de Tony Todd se tornou um dos vilões mais icônicos do cinema de terror, a sua descrição do livro em nada tem a ver com a aparência do autor. No conto Candyman é descrito da seguinte forma: “Ele reluzia ao ponto de ser berrante – sua pele era de um amarelo que lembrava cera, os lábios finos de um azul-pálido, os olhos selvagens cintilando como se a íris fosse incrustada de rubis. Seu paletó era todo remendado, assim como as calças”. Nada a ver, né? Sem contar que no livro o vilão não tem uma história de fundo, que é explicada no filme, além de oferecer uma relação de predador/presa muito mais profunda com Helen.
Candyman é um dos raros casos em que o filme é superior à obra de origem. Mas isso não tira o mérito de Barker, que participou da produção do filme e ajudou a expandir o universo que ele havia criado. Com mais camadas e contexto para os personagens, o filme é um belo exemplo de quando o cinema entende a essência do que foi escrito e consegue ampliá-lo de forma coerente e pertinente ao público que se destina.
Imagens: PolyGram Filmed Entertainment – © 1992
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