Críticas

A morte de Stalin | A melhor sátira política que você vai ver este ano


 

A primeira cena de A morte de Stalin já dá uma boa ideia do tom de paranoia que pesa sobre o elenco principal: um produtor de rádio (Paddy Considine) se desespera ao receber uma ligação do próprio Joseph Stalin (Adrian McLoughlin) pedindo uma gravação do concerto que acabara de ser transmitido. O problema? A transmissão tinha sido feita ao vivo e ninguém gravou. A solução mais plausível (e única que poderia salvar a vida do produtor): obrigar uma já cansada orquestra a repetir a apresentação para que o ditador recebesse sua cópia.

A situação pode parecer absurda, mas o medo de cair em uma das listas de Stalin era bem real e o filme se aproveita deste clima de paranoia para criar situações absurdas até mesmo a morte do ditador comunista. A trama recai sobre o comitê de Stalin que, embora pudessem ser vistos pela população como homens extremamente poderosos, não passam de um clubinho de cavalheiros extremamente apavorados em desagradar seu líder e serem torturados ou executados. Isso inclui assistir exaustivas maratonas de filmes de bangue-bangue e até mesmo se preocuparem se Stalin não achar graça das suas piadas.

A própria morte do ditador gera um clima de insegurança em seu comitê, cujos membros têm medo de reconhecerem a morte em voz alta e serem acusados de traição. Mas é nessa virada de trama que faz com que A morte de Stalin cresça. Sem a presença do ditador, duas forças surgem dentro do comitê: Nikita Krushchev (Steve Buscemi), um dos mais próximos conselheiros de Stalin, que tinha ideias reformistas para a União Soviética; e Lavrenti Beria (Simon Russel Beale), o chefe da polícia secreta que queria fazer uma pausa nas prisões, torturas e execuções encomendadas por Stalin.

 


 

O legal aqui é que os dois, de certa forma, tinham alguns objetivos em comum para mudar aquele cenário de terror criado nos anos de governo de Stalin, mas nenhum deles seria o primeiro a admitir. Enquanto Beria parecia muito mais preparado para a morte do líder, Krushchev tinha algumas cartas na manga, que incluem chamar o exército para o seu lado. No meio do cabo de guerra estão os demais membros do comitê, em especial Georgy Malenkov (Jeffrey Tambor), que é quem assume o poder na ausência de Stalin, embora pareça estar mais preocupado com a sua imagem do que com o futuro do país.

Qualquer filme em tom de biografia poderia ficar monótono e talvez até meio complicado de compreender, mas o tom cômico de A morte de Stalin prende o espectador durante toda a trama. Além disso, a direção de Armando Iannucci consegue dosar bem a comédia da situação, com esquetes bem orquestrados e alívios cômicos que nem sempre estão em primeiro plano. É divertido, inteligente e com leves doses de crítica social e ao próprio cinema.

Para completar, o elenco não é apenas muito bem escalado, mas está afiadíssimo, sem exceções. Mesmo com nomes de peso e alguns não tão conhecidos, cada um deles tem seu momento de contribuir com a história de maneira brilhante. Steve Buscemi, por exemplo, dá aquele seu ar nervoso de Mr. Pink a um Krushchev que vê a chance de reformar o país, mas que vê a oportunidade ser ameaçada. Mas o destaque está sem dúvidas com o Beria de Simon Russell Beale, um ator de teatro que rouba a cena com um personagem que é visto como implacável pelos demais, mas que talvez seja um dos únicos a pensar nas pessoas. Ah, sem contar que ele é um amálgama de Alfred Hitchcock com o Pinguim do Batman, o que só deixa tudo mais interessante.

Com um roteiro inteligente, direção certeira e um elenco em perfeita sintonia, A morte de Stálin está entre os melhores lançamentos do ano. Tomara que Armando Iannucci retorne a este tema em alguma próxima produção. Com os “líderes” que temos por aí material não vai faltar.

Nota de A morte de Stalin:

Imagens: Quad Productions