Críticas

Aniquilação | Entendendo o filme

 

Uma mistura de ficção-científica, com tons de terror e um drama pessoal de pano de fundo pode ser a definição de gênero do filme Aniquilação, que recentemente estreou no catálogo da Netflix. Dirigido por Alex Garland (de Ex-Machina), baseado no livro de Jeff VanderMeer, o filme foi lançado no serviço de streaming pela Paramount, após testes que indicaram que a audiência achou a história muito complexa. Mas será que é pra tanto?

Depois do divisor de opiniões Mãe! e do claro fiasco O Paradoxo Cloverfield, não é de se estranhar que o estúdio esteja mais cauteloso em submeter seus filmes ao julgamento das bilheterias, mas no caso de Aniquilação não era pra tanto. Mais convencional do que Mãe! e menos obtuso do que O Paradoxo Cloverfield, o filme tem sim um pequeno desafio intelectual, mas nada inalcançável para as maiores audiências, como vamos explicar.

A história

A bióloga Lena (Natalie Portman) vive há mais ou menos um ano em uma espécie de limbo, desde que seu marido Kane (Oscar Isaac) desapareceu em uma missão militar. Quando ele retorna, ela acha que sua vida irá voltar ao normal, mas o comportamento estranho de Kane e uma hemorragia incessante não vão deixar as coisas se resolverem tão facilmente (afinal, não teríamos um filme se fosse assim fácil, não é mesmo?).

Ela descobre que a missão em que seu marido estava era em um lugar chamado “O Brilho”, um território em expansão onde as leis da natureza não se aplicam. Em busca de respostas, ela ingressa em uma missão com outras quatro profissionais de diferentes áreas do conhecimento, como física, medicina e psicologia. Embora muitas teorias sejam levantadas para explicar o que é “O Brilho”, nenhuma delas parece ser muito conclusiva, o que é um prato cheio pra gente escolher a nossa metáfora preferida. Vamos lá?


 

O prisma

Ao se depararem em um ambiente com animais que apresentam mutações, praticamente se mesclando a outros seres vivos, a física Josie (Tessa Thompson) explica que O Brilho funciona como uma espécie de prisma, que não apenas causa refração na luz, mas sim no DNA do que está lá dentro. Essa pista já é dada em algumas cenas anteriores e até mesmo depois da explicação. Repare sempre que houver um copo d’água em cena: a refração de objetos na água é evidenciada em alguns momentos.

 

A autodestruição

Outra metáfora interessante é a da psicóloga e líder da missão Ventress (Jennifer Jason Leigh), de que os seres humanos estão sempre buscando uma forma de se autodestruírem. Essa é provavelmente a metáfora que mais vai ficar martelando na sua cabeça após o final do filme. A explicação é embasada pelas motivações que levaram aquelas mulheres a embarcarem em uma missão com todos os alertas de ser suicida. Até mesmo Lena, que achávamos ter uma motivação enquanto na verdade os flashbacks (meio repetitivos e mal inseridos) nos mostram que a justifica dela era beeem diferente. No entanto, o filme deixa aberta a interpretação de que nem sempre a autodestruição precisa ser algo negativo, pois ela pode abrir caminho para algo novo que não necessariamente seja a destruição. Para refletir.

 

O câncer

[este tópico contém spoilers]

Logo no início do filme, Lena explica aos seus alunos como as células se multiplicam, com ênfase no comportamento das células de câncer. Desta forma, as alterações de ecossistema que ocorriam dentro do Brilho podem ser encaradas como um câncer no planeta Terra. Há até alguns questionamentos sobre como enfrentar o câncer. Enquanto uma das personagens aceita a sua condição de mutações, outra teve seus últimos momentos de horror eternizadas no corpo do animal que a matou. Isso levanta o questionamento sobre a validade de seguir tratamentos que, em muitos casos, causam tanto sofrimento e destruição como a própria doença, mesmo sabendo que a chance de cura é mínima.

 

O veredito

 Mesmo com diversas possibilidades de explicações e metáforas, não se trata de um filme incompreensível. Ele mesmo te dá as pistas pra ajudar a formular a sua própria explicação. O elenco é bem afiado, principalmente nos nomes da Natalie Portman e da Jennifer Jason Leigh, e a direção de arte é bem interessante. Os efeitos, principalmente na cena final, deixam um pouco a desejar, mas não chegam a comprometer a história. Mesmo se tratando de uma fantasia, há alguns furos de roteiro que nos fazem torcer o nariz (a forma que elas guardam o perímetro à noite não faz sentido algum e a ausência de roupas contra contaminações são apenas dois exemplos). Mas de forma geral, é uma ficção-científica com um pouco mais de cérebro e que vai te deixar pensando por algum tempo.

 

Nota:

Trailer de Aniquilação

Imagens: Peter Mountain – © 2018 Paramount Pictures