Críticas

Os Meyerowitz | O filme pra quem não gosta do Adam Sandler


 

Abordar disfunção familiar não é nenhuma novidade no mundo do cinema. Em Os Meyerowitz: Família não se escolhe o tom tragicômico e o bom desempenho do elenco deixam o ato de assistir ao filme um pouco mais leve e divertido do que em outros títulos do subgênero.

O filme conta alguns episódios da família que dá nome ao filme, com o patriarca Harold (Dustin Hoffmann), a quarta e atual esposa Maureen (Emma Thompson) e os filhos Danny (Adam Sandler), Jean (Elizabeth Marvel) e Matthew (Ben Stiller), que é meio-irmão dos outros dois. Há também a presença da filha de Danny, Eliza (Grace Van Patten).

Contado em capítulos focados em alguns personagens, o filme mostra uma família disfuncional, em grande parte graças à personalidade de Harold. O patriarca é um escultor que teve mínimo sucesso no passado, virou professor universitário e sempre se ressentiu de seus filhos não terem puxado suas habilidades artísticas. Dá pra perceber, principalmente em Danny e Matthew, que ele nunca fez questão de esconder esta decepção, o que acabou influenciando drasticamente a personalidade dos filhos.

Para resumir um pouco as personalidades dos três: Danny até tentou encontrar sua veia artística na música, mas acabou se tornando um “dono de casa” com problemas de temperamento e um laço muito forte com a filha, que estuda na mesma faculdade em que Harold lecionava. É quase como se ele se redimisse com o pai através da filha. Matthew optou por um caminho bem oposto, tornando-se um respeitável contator e empresário em Los Angeles, bem longe dos demais Meyerowitz, que moram em Nova York. Jean acabou optando por ficar mais no plano de fundo, quase que alheia à rivalidade dos outros dois irmãos, mas ela tem uma história própria que ajuda a explicar um pouco a sua personalidade reclusa.

 


 

Os diálogos são o pilar do filme. É através deles que passamos a entender e até a nos identificar com o que acontece com os Meyerowitz. A construção das situações é algo que parece ter saído de algum filme do Wes Anderson, mas sem aquela estilização interessante. Já os diálogos reflexivos são algo entre Woody Allen e Richard Linklater, se é que dá pra imaginar algo assim. Há profundidade, sensibilidade e um humor que não chega a ser ácido, mas é um pouco obscuro e consegue sim aliviar a tensão da história principal (é que além de tudo, Harold acaba tendo um grave problema de saúde em algum ponto da história).

Em termos técnicos, há alguns planos que eu achei particularmente interessantes. Em alguns diálogos, o enquadramento deu jeito de colocar algum elemento entre os personagens, seja uma pessoa sentada em um restaurante ou uma árvore. Dá bem a ideia de barreira que esta família tem entre si, mesmo estando no mesmo ambiente. Já a edição tem algumas características, como a de cortar a fala de alguns personagens antes de alguma mudança de capítulo. Na primeira vez eu até achei engraçado, mas nas outras não caiu muito bem.

Mas e afinal, o Adam Sandler manda bem?

Então, é inegável que o Adam Sandler está acima da média de suas atuações, mas muito disso é mérito do próprio roteiro. A verdade é que a gente nunca teve muita chance pra avaliar se ele é um bom ator, dada a péssima qualidade dos projetos em que ele costuma se envolver. Em Os Meyerowitz ele entrega um bom trabalho, mas não dá pra dizer que é algo digno de premiações. É o clássico “não fez mais do que a obrigação”.

Quem me surpreendeu um pouco mais foi o próprio Ben Stiller, que, todo mundo sabe, também tem alguns projetos bem questionáveis no currículo. No papel de Matthew, parece que eu pude ver mais o personagem do que o ator, o que eu considero algo muito positivo. Sem os chiliques clássicos de seus personagens, deu pra levar o Ben um pouco mais a sério. Se quiser comprovar o que eu estou falando, basta ver ele e o Adam Sandler contracenando. A diferença é bem palpável.

Dos filhos, a melhor atuação provavelmente vem da Elizabeth Marvel, que realmente parece uma pessoa de verdade. O jeito mais discreto dela e a constante cara de derrota ficam ainda mais interessantes quando a gente percebe que as melhores falas vêm dela. Já a presença de Grace Van Patten dá um frescor de juventude que faria falta na história, além de ela ser responsável por bons momentos de alívio cômico em seus projetos da faculdade.

Dos atores veteranos há pouco que eu possa acrescentar além das atuações fantásticas de Dustin Hoffmann e Emma Thompson. As manias e o senso de grandiosidade medíocre que o Dustin Hoffmann imprime ao seu personagem é ideal para Harold, enquanto a Emma Thompson é simplesmente a minha preferida da história toda. É uma pena que a sua personagem não tenha recebido mais tempo de tela.

Se a pessoa escolhe esse filme esperando mais uma comédia do Adam Sandler, a chance de decepção é grande. Agora, para quem curte filmes reflexivos, mas sem a densidade incômoda que algumas famílias disfuncionais podem trazer, Os Meyerowitz é uma ótima pedida.

Nota:

Imagens: Atsushi Nishijima – © NETFLIX

Trailer de Os Meyerowitz: Família não se escolhe

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