Críticas

Jogador Nº1 | Pipocão honesto pra colecionar easter eggs


Antes mesmo de ser lançado, Jogador Nº1 já dividia opiniões: enquanto parte do público se animava com o fato de Spielberg voltar ao mundo dos anos 1980 tomando as rédeas do filme, os leitores mais puristas da obra de Ernest Cline torciam o nariz ao perceber que a adaptação tomaria muitas liberdades criativas. Eu me encaixava no segundo grupo. O filme se distanciou sim do livro, mas nem por isso deixou de ser uma boa experiência cinematográfica.

Em um futuro distópico (por que não seria distópico, né?), a sociedade passa boa parte de sua existência em um jogo de realidade virtual chamado OASIS. Praticamente tudo acontece lá dentro, enquanto no mundo real há pobreza e pessoas vivendo empilhadas em trailers (literalmente!). Com a morte do criador do jogo, Halliday (Mark Rylance), as pessoas começam uma caça ao tesouro para encontrar os easter eggs deixados por ele no OASIS. O prêmio? A fortuna de Halliday e controle total do OASIS, apenas.

Uma destas pessoas é Wade Williams e seu avatar Parzival (Tye Sheridan). Com um riquíssimo conhecimento de cultura pop dos anos 1980, ele é um jogador “independente”, que não se afiliou a nenhum clã ou corporação e busca pelo prêmio maior, na maior parte do tempo com a ajuda dos amigos e também concorrentes Art3mis (Olivia Cooke) e Aech (Lena Waithe). Isso tem no livro e isso tem no filme, o esqueleto está lá.

O que se vê nas pouco mais de 2h de filme é uma sequência de provas bem típicas de videogames em busca das chaves que levarão ao prêmio principal. Mas o que torna Jogador Nº1 um prato cheio para os fãs de cultura pop é o volume de referências, homenagens e easter eggs dos anos 1980, em especial de filmes e videogames. Esta foi a década de ouro das produções de Spielberg com o propósito de diversão e ver o diretor navegar por este universo se torna uma deliciosa sessão de nostalgia em um filme que parece fluir naturalmente, sem forçar a barra em relação a efeitos e alívios cômicos, por exemplo. Parece que a própria equipe de produção fez o filme brincando.

 

 

A caracterização de universo é melhor dentro do OASIS do que no mundo real, embora a ambientação das “pilhas” seja exatamente o que eu esperava delas. Aplausos pra equipe que fez o design de produção aqui. Por outro lado, a aparência real dos personagens é algo que me incomodava desde a pré-produção do filme. No livro parte da motivação dos personagens para se dedicarem tanto à vida virtual tem a ver com a aparência, por não se encaixarem no que é tido como “padrão de beleza”. Mais uma vez Hollywood deu um chutão na chance de promover um pouco mais de diversidade estética e se acomodou no padrão alimentado por ela.

Já que começamos a falar de personagens, uma das coisas que mais me incomodou foi a falta de desenvolvimento deles. A gente não apenas desconhece o histórico e a motivação de cada um, como eles começam e terminam o filme sem o mínimo de evolução. Não dá pra entender como eles passaram de “apenas um de nós” para os salvadores da porr@ toda. Some isso à apatia do Tye Sheridan e temos um dos pontos mais fracos do filme.

Sim, nós sabemos que adaptar quase 500 páginas de livro para um filme de 2h10 exigiria alguns sacrifícios e esse dos personagens foi, na minha opinião, o principal problema aqui. As mudanças feitas em relação às provas, por exemplo, não chegam a incomodar e em alguns momentos até enriquecem o material. É muito mais prazeroso você encontrar a referência na tela do que precisar que o narrador te diga que ela está ali. Sem contar que toda a homenagem a O Iluminado é uma das sequências mais divertidas de todo o filme.

Na parte técnica não tem o que botar defeito também. A mistura de mundo real com a animação do mundo virtual forma uma dinâmica bem natural e justifica o uso do CGI. A trilha sonora original do Alan Silvestri (De volta para o futuro) ajuda tanto no tom nostálgico como as músicas dos anos 1980 que de vez em quando pipocam na trama.

Embora tenha todos os elementos de um pipocão, Jogador Nº1 é pelo menos um pipocão honesto, sem grandes pretensões de estourar nas bilheterias. Tem suas falhas, mas o fan service funciona tão bem que você consegue se divertir, nem que seja apenas coletando todas as referências como se fossem moedinhas de Super Mario.

Nota:

 

Trailer de jogador Nº1

Imagens: © 2017 Warner Bros. Entertainment Inc.

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