Críticas

Noite de lobos | Entendendo o filme (se possível)


 

Tem alguma coisa na Netflix em filmes passados em lugares ermos e frios, como já vimos em Sob a pele do lobo e Temporada de Caza. Pra se juntar ao grupo, estreou recentemente no catálogo o original Noite de lobos, dirigido por Jeremy Saulnier.

Medora Slone (Riley Keough) vive em uma distante comunidade no Alasca e pede a ajuda de um especialista em lobos, Russell Core (Jeffrey Wright), após seu filho ser a terceira criança da região a ser levada e provavelmente assassinada por lobos. Ela quer resolver a questão (creio que seja matar o lobo responsável) antes que seu marido Vernon (Alexander Skarsgard) retorne da guerra em algum país estereótipo do Oriente Médio.

Não demora muito pra que Jeffrey Wright, que a gente saca ser meio contra matar lobos, perceba que tem algo muito sinistro acontecendo ali. Tudo isso já está no trailer e é quase uns 80% do plot do filme, que não evolui muito sobre essa questão.

A coisa muda um pouco de figura quando Medora desaparece, possivelmente ligada à morte do próprio filho, e Vernon retorna da guerra, desencadeando uma sequência de violência na comunidadezinha. Com menos da metade do filme rola uma cena de tiroteio que parece exaurir o fôlego do que restaria da produção.

 


 

A partir daí a coisa fica mais mística, aproveitando algumas dicas e pistas que Russell já tinha estranhado no começo do filme, quando as coisas pareciam fazer mais sentido na história. Tudo parece estar ligado a um espírito de uma loba que supostamente encarnara em Medora e há algumas tentativas de explicação sobre a natureza dos lobos em às vezes matarem filhotes pelo bem da alcateia. Mas meio que para por aí e a sensação ao final do filme é de que aquilo não levou a lugar algum ou de que você realmente não entendeu nada.

Em primeiro lugar é preciso deixar claro que muitos filmes trabalham essa questão de deixar a pulga atrás da orelha de uma forma exemplar. 2001: Uma odisseia no espaço e Cidade dos sonhos são bons exemplos considerados clássicos até hoje. O lance é que, pra deixar aquele WTF bonito você tem que ter entregue um mínimo de elementos, pistas, fragmentos, que colaborem para isso. Não é o que se percebe em Noite de lobos, infelizmente. Há sim várias destas pistas, mas elas não são suficientes para se construir um todo. A história não é profunda demais ou não direciona algum rumo filosófico que possa explicá-la, pelo menos no filme.

 

Como explicar Noite de lobos, então? [contém spoilers]

 

Felizmente o filme é baseado em um livro. Aparentemente um tanto complexo para um filme de 2h, mas né? Sempre dá pra deixar o negócio minimamente compreensível. Eu não li, mas busquei conhecimento para entender o mínimo do que se passa ali. E foi exatamente isso o que eu consegui: o mínimo.

A primeira coisa que precisamos entender (e que o filme não ajuda) é que Medora e Vernon são irmãos. Sim, incesto Lannister style. Mas o filme não se esforça muito pra que você descubra isso. Há uma ou outra pista, mas nada muito concreto pra te levar a alguma conclusão.

Aí entra a tal da “escuridão” que ela tanto fala. Seria a linha tênue entre humanidade e o instinto selvagem. O isolamento de Medora teria a levado a cruzar esta linha, matando o próprio filho. Supostamente Russell estaria nesta linha, já que entendemos que ele vive isolado de sua mulher e filha (o que justificaria o final dele se comunicando com a filha, estabelecendo um vínculo estritamente humano).

Mas enfim, um monte de pistas, sinais e elementos que são um tiro longo para construir qualquer narrativa. O que é uma pena, já que em outros aspectos Noite de lobos consegue se destacar, principalmente na parte técnica. A direção de arte consegue dar o tom de isolamento e da tal “escuridão” que tanto falam. A fotografia é, se não inteiramente, predominantemente feita com luz natural, colaborando com este clima.

Em termos de atuação eu só consigo destacar mesmo a do Jeffrey Wright, que nós já conhecemos bem como coadjuvante de tudo. É bem gratificante vê-lo no papel principal e dando muita conta do recado, na maioria das vezes se mostrando tão confuso quanto nós ao assistir ao filme.

É um filme conceitual que muita gente, principalmente quem leu o livro, pode até ter mais subsídios para criar suas teorias quanto à narrativa. Mas de forma geral, é um apanhado de fragmentos que tentam contar uma história menos envolvente e profunda do que se propõe. É ambicioso, mas a bagunça narrativa frustra o espectador e deixa uma sensação vazio digna das paisagens do Alasca – só que não no bom sentido.

Nota:

Imagens: © Netflix