No filme espanhol O Autor, disponível na Netflix, um aspirante a escritor utiliza a vida dos vizinhos para vencer o bloqueio criativo e escrever um livro. Porém, assim como seu protagonista, o roteiro beira o medíocre para uma premissa que poderia render uma comédia dramática bem interessante.
Na trama, Álvaro (Javier Gutiérrez) é um advogado que trabalha em um cartório e que leva uma tediosa vida, com um colega que vive falando amenidades, um chefe que está sempre na cola dele e uma esposa que tem muito mais sucesso do que ele. Aliás, foi provavelmente a bem-sucedida carreira dela que fez com que Álvaro se inscrevesse em aulas noturnas para se tornar um escritor.
Mas a vida dele toma um rumo diferente quando ele flagra sua esposa tendo um caso. Além de sair de casa, ele fica determinado a se tornar um autor de alta literatura.
Só que o que está no caminho dos planos de Álvaro é a sua incapacidade em escrever algo bom. Após levar um balde de água fria de seu professor sobre a história que ele tinha escrito, o protagonista busca uma abordagem pouco ortodoxa para vencer seu bloqueio criativo: inspirar-se nas vidas dos vizinhos do prédio pra onde ele se mudou.
Tudo começa com o clássico fuxico e voyeurismo: ele busca saber sobre a vida de todos por meio da síndica (Adelfa Cavo) e deixa seu celular gravando conversas dos vizinhos que ecoam pelo fosso do banheiro (quem mora em alguns tipos de prédio sabe que ouvir conversa alheia por ali é inevitável). É por ali que ele ouve as conversas de um casal de mexicanos imigrantes e é pela síndica que ele sabe mais sobre um velho senhor que mora sozinho e adora jogar xadrez. Tudo isso passa a ser material para a sua obra literária.
Insatisfeito com a pacata rotina da vizinhança, Álvaro vê uma oportunidade em esquentar um pouco as coisas quando seu vizinho mexicano Enrique (Tenoch Huerta) perde o emprego. Por ser um advogado, ele “analisa” a papelada de Enrique e, em vez de orientá-lo a buscar uma indenização, ele joga o casal para a incerteza do desemprego e da falta de dinheiro na expectativa que eles buscassem alguma alternativa radical, como assaltar um banco. Lógico que isso desencadeia uma série de eventos desagradáveis para toda a vizinhança.
Como já comentei, há uma forte premissa e a construção de personagem de Álvaro é muito bem feita no início. A bronca que ele leva do professor é provavelmente um dos melhores momentos do filme, o que é um problema já que isso acontece nos primeiros 20 minutos.
Quando a história poderia tomar um rumo interessante (a manipulação dos vizinhos) o roteiro não consegue sustentar o interesse do espectador e a empatia pelo protagonista desaparece. Num filme desses, não se importar com o personagem principal passa a ser um grande problema, já que todas as ações são orquestradas por ele. Não fica engraçado o suficiente para ser uma comédia e não se sustenta como drama também. Assim como Álvaro, até o espectador prefere se concentrar mais nos vizinhos do que no escritor bisbilhoteiro.
Pra se ter uma ideia, em determinado momento acontece um assassinato na história e nem isso consegue dar o tom de choque e mistério que deveria. É provavelmente a revelação de um assassinato mais chata da história do cinema. Aliás, se tivesse sido bem executada, é o tipo de evento que poderia ter sustentado metade da narrativa, se não tivesse ocorrido nos últimos cinco minutos do filme.
O trabalho do diretor Manuel Martín Cuenca tem seus pontos positivos, principalmente ao utilizar enquadramentos e ambientações que transmitam a solidão e o fascínio de Álvaro por seus vizinhos. As sombras no fosso, por exemplo, são belíssimas e ajudam a criar todo o fascínio do protagonista pela vida dos vizinhos.
É uma pena que os aspectos positivos de O Autor não compensem o fato de ser um filme tedioso, apesar de todo o potencial da história. Se você quer assistir algum filme realmente interessante sobre processo criativo dá uma olhada na nossa lista de 10 filmes obrigatórios para escritores.