Críticas

Explicação do filme Animais Noturnos

Animais Noturnos é daqueles filmes difíceis de assistir mas ao mesmo tempo fascinantes pela sua metalinguagem, roteiro afiado e direção de arte certeira. Mesmo com toda a violência e cenas indigestas, é um daqueles filmes que você vai querer assistir diversas vezes e sempre vai criar uma nova teoria.

Baseado no livro de Austin Wright, dirigido e adaptado por Tom Ford, Animais Noturnos conta uma história dentro da história: Susan (Amy Adams) é uma rica dona de galeria que recebe um livro escrito pelo ex-marido, Edward (Jake Gyllenhaal). Só que a violenta história de uma família viajando mais se parece como uma vingança de Edward aos atos de Susan no passado.

A história do livro é sobre uma família viajando pelo interior do Texas à noite: o pai Tony (Gyllenhaal de novo), a mãe Laura (Isla Fisher) e a filha adolescente India (Ellie Bamber). A viagem deles é interrompida quando um grupo de baderneiros faz uma espécie de racha, jogando o carro deles para o acostamento e furando o pneu. O grupo de homens se mostra violento desde o início, principalmente o “líder” deles, Ray Marcus (Aaron Taylor-Johnson – em uma atuação assustadoramente brilhante).

Em determinado momento eles saem com o carro de Tony, levando Laura e India. Tony tenta encontrá-los com o carro dos homens, sendo ameaçado por um deles. Sem encontrá-las, Tony é chutado do carro no meio do nada e tenta achar o caminho de volta (assim como sua mulher e filha) andando sozinho pelo deserto até conseguir contato com a Polícia.

Não demora muito para ele, com a ajuda do policial Bobby Andes (Michael Shannon), descobrir que sua mulher e filhas foram brutalmente assassinadas (sem contar outras coisas). A partir daí, o principal objetivo de Tony é encontrar os assassinos e conseguir justiça (ou vingança, o que for possível neste caso).

Mas afinal, o que a história de Animais Noturnos significa

Em algum momento Susan comenta que Edward a chamava de animal noturno, ou seja, o livro era claramente direcionado a ela. Para entender melhor a mensagem do livro, precisamos saber um pouco mais sobre Susan e Edward.

Eles se conheceram quando ainda eram estudantes e se divorciam quando Susan se cansa da sensibilidade de Edward – o que ela diz ser o que a atraiu no início do namoro. Fica bem claro que Susan na verdade começou a namorar Edward para desafiar a mãe, Anne (Laura Linney), jurando que ela nunca se pareceria com ela. Ironicamente, Susan se tornou exatamente o que a mãe é e esperava dela, uma mulher ambiciosa cercada de riqueza e belezas sem muito significado.

A história de Edward justamente contrasta com este mundo, ambientado em um clima escuro, rudimentar e vazio – não é à toa que a história se passa no deserto. Mas as semelhanças não param por aí.

Em algum momento do relacionamento de Susan e Edward ela faz um aborto de um filho dele, ao mesmo tempo em que já começou o seu relacionamento com um outro cara, Hutton Morrow (Armie Hammer), o clássico boy lixo disfarçado como macho-alfa com quem ela é casada até hoje e, coincidentemente, tem uma filha muito parecida com India, da história de Edward.

A crítica aqui tem muito a ver com o mundo da arte, principalmente do ponto de vista de Susan. Ao longo do filme, conforme ela avança na leitura, observamos conceitos artísticos de subversão apenas pela subversão em si, como por exemplo uma ave atingida por flechas ou um quadro com a palavra “vingança”. Já a arte de Edward, retratada no seu livro, tem um caráter muito mais primitivo e visceral, seduzindo Susan de volta para o único pingo de verdade que ainda existia na vida dela.

[o parágrafo a seguir contém spoilers]

Para Tom Ford, Edward é meio que uma representação da integridade da arte, mas isso vem a um custo alto tanto para ele como para seu alter ego no livro. Os dois perdem mulher e filha (de certa forma) e acabam perdendo a própria vida também. Isso porque no final do livro, Tony, em sua busca por vingança, acidentalmente dá um tiro em si próprio e morre. Já a cena final fora do livro, com Susan aguardando Edward para jantar em um restaurante – ao qual ele nunca aparece – também dá a ideia de que Edward possa ter tirado a própria vida.

[fim dos spoilers]

Mas, como eu falei, esta é apenas uma das interpretações. Ao assistir mais e mais vezes Animais Noturnos é bem possível que se descubram novas camadas na obra de Tom Ford, que não é tão superficial quanto as artes na galeria de Susan.

Nota:

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Imagens: © Merrick Morton/Focus Features