Não sei se acontece com vocês, mas hoje em dia é muito difícil um filme me chocar. Boa parte desta anestesia é culpa da própria moldura que Hollywood cria para seus filmes, mas basta escapar um pouquinho deste circuito que a gente se depara com produções que conseguem provocar um mínimo de reação: seja boa ou ruim. É mais ou menos assim a experiência que eu tive com Grave (Raw).
Antes de entrarmos na sinopse, é importante destacar que este filme teve uma grande repercussão quando foi exibido em festivais pela quantidade de pessoas saindo no meio da sessão, saquinhos de vômito sendo distribuídos nas salas de cinema e até mesmo ambulâncias de prontidão do lado de fora. Mas e aí, é pra tanto?
O filme conta a história da jovem inocente / virginal / vegetariana Justine (Garance Marillier) quando ela entra para a faculdade de Veterinária. Lá, ela encontra sua irmã mais velha e encrenqueira Alexia (Ella Rumpf) e precisa passar pelas provações dos veteranos, que apavoram os calouros desde a sua primeira noite nos dormitórios. Os trotes passam por acordar a galera no meio da noite, destruir quartos, jogar colchões pra fora das janelas, banho de sangue animal e comer carne crua. Sim, mesmo Justine sendo vegetariana ela come meio que contra a vontade um fígado de coelho cru, porque rollmops é para os fracos.
Depois deste episódio é que seu comportamento começa a mudar. Ela tem a necessidade constante de comer carne (crua, de preferência), mas nada que um sushi resolva. Essa transição das vontades da personagem também é acompanhada de comportamentos muito mais subversivos apresentados por ela, que no começo era tão santinha e CDF. Sem dar muito spoiler, o canibalismo entra em cena aqui.
Dirigido pela francesa Julia Ducurnau, o filme mistura arte e horror em um filme com temática de transição para a vida adulta, mas não só isso. Se a gente parar pra pensar que hoje em dia comer (e sentir prazer nisso) é super mal visto, o canibalismo é apenas uma exacerbação deste sentimento. Afinal, a própria personagem comia escondido e teve a autoestima aumentada quando começou a perder peso.
Tecnicamente falando, o filme é muito bem executado. Há sequências estáticas com enquadramentos belíssimos e súbitas ações que conseguem surpreender o espectador, além de tomadas longas e angustiantes em meio à multidão, que dão o tom caótico do filme. É quase uma mistura de arte com horror, que não conseguirá te deixar indiferente.
Por outro lado, há alguns furos no desenvolvimento das personagens e um desfecho que parece fácil demais para o problema criado. A própria “justificativa” para o comportamento de Justine é bem manjada. Não é um filme de canibalismo no estilo da franquia de Hannibal, em que há muito mais acontecendo do que simplesmente comer carne humana. Não que o filme precise ficar se justificando o tempo inteiro, mas alguns comportamentos de personagens secundários ficaram meio infundados.
Sobre o hype das pessoas saindo do cinema, não é para tanto. Sim, o filme consegue ser bem escatológico e em algumas cenas dá vontade mesmo de desviar o olhar, mas nada que a gente já não tenha visto na franquia de Jogos mortais, por exemplo. Aliás, sempre que você ouvir de pessoas que saíram do cinema chocadas, lembre-se de que nas primeiras exibições de filmes da história a galera fugia com medo de ser atropelada por um trem.
Resumidamente, é uma boa pedida pra quem gosta de filmes com uma pegada mais independente mas não recomendado para quem se impressiona fácil. Dá vontade de assistir aos próximos trabalhos da diretora, principalmente em outros gêneros.
Nota:
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