A primeira impressão que se tem ao assistir Toy Story 4 é a de já ter assistido àquele filme antes. E nem falo só da familiaridade com personagens que conhecemos há quase 25 anos, como Woody, Buzz e metade dos outros brinquedos. A história parece quase um reboot do primeiro filme, com a chegada de um novo brinquedo que se perde e que Woody incansavelmente precisa levar de volta.
Agora na casa da Bonnie (Madeleine McGraw), Woody (Tom Hanks) encara o desafio de não ser o brinquedo preferido (algo que parece ser quase insuperável para ele). No primeiro dia do jardim, a garota, impedida de levar brinquedos, constrói um novo: Forky (Tony Hale). Só que como ele é feito de materiais encontrados no lixo tem uma crise de identidade e passa boa parte do tempo voltar para o seu lugar: o lixo.
Em uma última viagem antes das aulas começarem pra valer, a família de Bonnie aluga um trailer e, no caminho, para próximo a um parque de diversões e uma loja de antiguidades. Tentando recuperar Forky (que se jogou do veículo), Woody vai parar numa loja de antiguidades onde ele acredita estar Betty (Annie Potts), a pastora que até o segundo filme era o mais próximo de seu interesse romântico.
Ele acaba encontrando Betty encarando uma aventureira vida de “brinquedo perdido” no parque de diversões e, agora, precisa da ajuda dela para recuperar Forky, que foi sequestrado por uma boneca na loja de antiguidades chamada Gabby Gabby (Christina Hendricks). A boneca é um personagem ambíguo que quer a caixa de voz de Woody para ser notada pela neta da dona da loja.
A qualidade dos gráficos de animação é de longe a melhor de toda a saga. A Pixar consegue se superar em criar uma animação que, em muitos momentos, até parece ser um filme live action. As cenas de ação e aventura são orquestradas de forma protocolar e eu tive a impressão de que o humor funciona um pouco melhor do que no último filme, que preferiu reservar maior parte do alívio cômico para as cenas com o Ken. Desta vez o humor está melhor distribuído, principalmente com a participação dos dois bichinhos de pelúcia Bunny e Ducky, interpretados respectivamente por Jordan Peele (sim, o diretor de Corra! e Nós) e o comediante Keegan-Michael Key. Também tem uma participação bem divertida de um boneco canadense chamado Duke Caboom, que é dublado pelo messias da Internet Keanu Reeves.
Em relação à jornada dos brinquedos, infelizmente a trama não traz muita coisa nova a não ser uma nova visão mais otimista sobre o que significa ser um “brinquedo perdido” e o destino de brinquedos que já vêm defeituosos de fábrica. Parece que perde um pouco da profundidade explorada pelos filmes anteriores, que vamos relembrar:
Toy Story: explora qual o papel dos brinquedos e o que acontece quando um novo brinquedo preferido é adicionado à coleção. Para as crianças pode ser uma boa forma de abordar a chegada de um irmãozinho, por exemplo. No final das contas, os dois brinquedos se dão conta de que todos têm um lugar no coração do dono.
Toy Story 2: é o primeiro a dar uma perspectiva um pouco mais ampla sobre o futuro dos brinquedos e qual é o objetivo deles de vida. Afinal, o que é melhor: brincar com a criança até que ela cresça ou ser conservado como item de coleção?
Toy Story 3: o melhor de todos e o único até aqui a disputar o Oscar de Melhor Filme, é um filme muito mais maduro que os dois anteriores que introduz a questão sobre a própria mortalidade dos brinquedos. Com Andy indo para a faculdade, os brinquedos precisam se desapegar do que conheciam até aqui e encarar um novo destino, com uma ou várias novas crianças. É o que deixa mais clara a analogia para adultos sobre o que significa crescer e, para quem é pai, sobre como lidar com os próprios filhos se tornando independentes. Deu um desfecho perfeito para a saga.
E é justamente essa a maior parte da minha bronca com Toy Story 4: a gente realmente precisava que a história continuasse? O roteiro até dá suas piruetas para apresentar novos dilemas à vida dos brinquedos, mas a sensação é de que tudo ficou muito mais raso desta vez. E, querendo ou não, é a quarta vez que a franquia usa a premissa de um brinquedo perdido para conduzir a narrativa.
Uma coisa que me incomodou um pouco foi a estagnação da própria jornada dos personagens principais. Woody continua com aquela obsessão em ser o preferido e claramente não superou o fato de Andy ter ido para a faculdade. Ele continua se importando apenas com o seu objetivo e se aproveita dos outros brinquedos para isso. Buzz (Tim Allen), de quem eu nem tinha falado até aqui, foi rebaixado a “apenas mais um brinquedo” e parece quase voltar ao patamar de ignorância do primeiro. Parece que as pilhas dele estão ficando sem bateria, da mesma forma que a voz de Tim Allen, claramente envelhecida neste filme (será que é por isso que reduziram a participação de Buzz?). Betty é a única que realmente mostrou crescimento como uma sobrevivente de um mundo pós-apocalíptico, até porque nos filmes anteriores a participação dela era mínima ou inexistente.
Em relação aos novos personagens, Forky teve uma participação até menor do que eu esperava, mas o casting do Tony Hale para o papel foi perfeito (se você assistia Arrested Development sabe do que eu estou falando). Gabby Gabby é sem dúvidas a melhor adição, por se tratar de uma personagem difícil de decifrar, ora muito cordial e simpática, mas que não abre mão de seus seguranças, que são assustadores bonecos de ventríloquos.
Diferentemente do filme anterior, Toy Story 4 também não conseguiu mexer com as minhas emoções da mesma forma, apesar da edição se esforçar bastante pra isso. A trilha sonora é bem manipulativa pra indicar alguns momentos como “aqui é pra chorar”, mas como a história não conseguiu despertar muita empatia da minha parte, as lágrimas ficaram lá no terceiro quando Andy brinca com seus brinquedos pela última vez.
Apesar de mais raso e, honestamente desnecessário, Toy Story 4 é um filme que consegue divertir e engajar o público com uma animação espetacular e um humor competente. Pra quem gosta de ver uma história familiar ser recontada ainda é uma ótima opção de entretenimento. Mas é inegável que este novo capítulo não está à altura do desfecho irretocável fornecido pelo filme anterior.
Nota: