Um dos preferidos ao Oscar de Melhor Animação é Homem-Aranha no Aranhaverso e, por mais que você já esteja saturado de filmes de super-heróis, este aqui merece um minuto (ou 1h57) da sua atenção. Eu mesma relutei pra ver o filme no cinema, mas acabei cedendo e confesso que o filme promove uma baita experiência visual.
Pra começo preciso ser justa: a história não tem nada diferente do que você já tenha visto antes, mesmo com um Spidey que não seja o Peter Parker, mas que, consciente de suas origens, traz uma cacetada de referências dos quadrinhos e até mesmo dos filmes anteriores (principalmente os do Sam Raimi). A experiência de conhecer diversos “Homens-Aranhas” de outras dimensões é divertida, mas bem familiar. A pegada do filme está em outra coisa.
O filme pode até começar de forma mais discreta e comum aos olhos, mas Homem-Aranha no Aranhaverso embarca numa pornografia visual que não pode ser ignorada. Que fique claro, a pornografia é no sentido do abuso de cores, efeitos visuais e técnicas de animação. É um filme bem familiar, seus filhos vão gostar.
Homem-Aranha no Aranhaverso foi lançado com as opções em 2D e 3D e, por mais que eu deteste, acabei vendo a segunda versão por motivos de: única sessão legendada na minha cidade (aliás, veja legendado!). Ouvi fortes recomendações sobre o 3D do filme, mas eu não curti. Como o filme tem movimentos muito rápidos os olhos às vezes demoram pra encontrar o foco no 3D, o que deixou algumas cenas embaralhadas. Veja em 2D e economize para comprar mais pipoca.
Mas o que chama a atenção mesmo em Homem-Aranha no Aranhaverso é a miscelânea de técnicas de animação empregadas. Por isso, separamos as principais delas, que tornam deste filme uma experiência visual fantástica:
Muita gente que viu a versão 2D achou que era justamente uma falha da conversão para o 3D. Você reparou que, principalmente no plano de fundo, as cores pareciam perder o foco? Mais ou menos como acontece quando você vê um filme 3D sem os óculos. Mas fique tranquilo que isso não é um defeito, e sim, uma homenagem da equipe de animação às revistas em quadrinhos mais antigas, que tinham falhas na impressão. Isso acontecia quando os canais de cores não ficavam alinhados, criando estes “borrões”. Esta escolha dos animadores não apenas evoca esta nostalgia, como dá a impressão de que há algo impresso na tela.
Mais uma homenagem aos quadrinhos que muita gente pode ter pensado ser uma falha. Os animadores meio que simularam estes borrões de movimento de propósito, ao segurar as imagens por dois frames em vez de um, ou seja, com 12 imagens por segundo em vez de 24, algo bem raro em animações computadorizadas. A ideia era que sempre que o filme fosse pausado ele se parece com uma pintura, com o fundo levemente desfocado, imitando o estilo das HQs.
Os fãs das HQs devem ter gostado bastante desta aqui, já que em alguns momentos a tela era dividida em várias imagens, simulando uma página de gibi. Algo que Ang Lee já tinha experimentado de uma forma meio rudimentar naquele filme do Hulk que todo mundo detestou, mas que aqui foi muito bem elaborada, executada e aceita pelo público. A sacada aqui foi saber integrar as diferentes cenas e ângulos retratados na tela, garantindo que cada uma delas contasse uma história mas que, ainda assim, fossem coesas e formassem um todo. Para ser ainda mais poético, estas montagens não te lembram uma teia de aranha?
Evocando os pôsteres meio Pop Art dos anos 1960 e as impressões de hachura (mais ou menos como aquelas em cartazes de faroeste), a equipe de animação utilizou de forma muito inteligente aqueles pontinhos e linhas finas para simular gradientes de quatro cores, mais ou menos como ocorria nas HQs antigas. Este “efeito de falha” foi aplicado em personagens, prédios e carros quando ocorrem os terremotos dimensionais. O resultado é mais um estímulo visual bem modernoso para mostrar que algo não está certo no equilíbrio entre os diferentes universos.
Para que o trabalho criativo da equipe ainda fosse valorizado sobre todas as técnicas de animação, eles receberam carta branca para inserir alguns elementos que ajudassem a imprimir estilo ao desenho. Uma escolha que foi aprovada e que dá certa personalidade ao filme é a utilização de linhas de ação, como aquelas ao redor das cabeças dos personagens para externar algum tipo de sentimento que não será verbalizado. É um recurso bem comum em HQs e até mais frequente em animes, mas que deu um estilo bacana para Homem-Aranha no Aranhaverso.
É bem comum as histórias em quadrinhos exagerarem em algumas perspectivas, por exemplo, curvando prédios para dar a sensação de uma área muito mais ampla. Isso foi um desafio à parte para a equipe do 3D, que precisou simular estas profundidades com sucesso. Um exemplo bem claro é quando Miles pula entre os prédios de Nova York, que formam uma espécie de anel ao redor dele. Sim, o espectador sabe que aquela perspectiva é irreal, mas o que conta mesmo é o efeito dramático para a cena.
Isso aqui foi o que me convenceu a ir assistir ao filme. Quando todos os Aranhas estão juntos é nítida a diferença de estilos e técnicas de animação empregada em cada um. Temos desde as animações digitais, mas com diferentes traços, de Miles, Peter Parker e Gwen até técnicas bem diferentes, como a do Homem-Aranha Noir, da Peni Parker em anime e até do Peter Porker, que é praticamente o Hortelino dos Looney Tunes. Mesmo com tanta diferença, os personagens convencem quanto a sua coexistência num universo comum. É mais ou menos como nós nos sentimos quando vimos atores interagindo com animação em Uma cilada para Roger Rabbit.
Outra bela homenagem às histórias em quadrinho é a aplicação de caracteres nas cenas, seja para exprimir pensamentos dos personagens ou contextualização às cenas e até mesmo para os efeitos sonoros, como a freada de um carro. É o tipo de coisa que a gente já viu antes, mas que aqui ficou muito bem executado e ajudou a imprimir ainda mais estilo ao filme.
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