No filme francês Eu não sou um homem fácil mulheres ocupam os mais altos postos no mercado de trabalho enquanto homens se encarregam dos afazeres domésticos. Mas a coisa não para por aí: neste universo são eles que se depilam e usam roupas curtas enquanto elas se interessam por carros e esportes. Dá pra imaginar?
Antes de chegar a esta realidade, conhecemos o nosso protagonista Damien (Vincent Elbaz), que é basicamente aquele tipo de cara que mulher nenhuma quer conhecer. Ele não se prende em relacionamento nenhum, vive assediando mulheres na rua (ou em qualquer outro ambiente) e seu bem-sucedido trabalho também se baseia em ideias machistas, um aplicativo pros homens contabilizarem com quantas mulheres transaram, por exemplo. Uma espécie de Barney Stinson sem o véu da comédia. Até que um dia, enquanto esticava o olho para mulheres na rua, ele bate em um poste e os papéis se invertem.
Nesta nova Paris, homens usam roupas justas e curtas, o ambiente de trabalho dele é dominado por mulheres e ele vê sua ideia do aplicativo ser rejeitada para dar lugar ao projeto de uma mulher que é descaradamente copiado daquilo que Damien havia sugerido. Soa familiar?
Conforme a história avança, ele se torna assistente de uma bem-sucedida escritora, Alexandra (Marie-Sophie Ferdane), que, no mundo ao qual ele estava habituado, trabalhava como assistente para o amigo dele, Christophe (Pierre Bénézit), que era escritor. Lógico que Alexandra não demora muito para se tornar o interesse amoroso em questão e a coisa caminhar pro familiar caminho das comédias românticas que nós conhecemos tão bem.
A fórmula de comédia romântica, da troca de lugares e do protagonista que se vê em um universo paralelo é bem batida. A gente conhece aquela construção de personagem há bastante tempo e consegue prever facilmente o caminho que a história se propõe a seguir. Ainda assim, Eu não sou um homem fácil vê seu valor na sátira social que ele traz à mesa.
A crítica sobre o que é “papel de homem” e “papel de mulher” pode parecer bem escancarada na maior parte do tempo, com a exploração do corpo masculino e a frieza com que as mulheres vivem seus relacionamentos, por exemplo. Mas há algumas sutilezas que são talvez os pontos mais interessantes a serem tocados aqui, como a pressão para querer ter filhos, por exemplo.
Embora a sátira tenha este papel de levar a situações extremas para provar um ponto, o próprio filme não está livre de alimentar alguns clichês sobre os gêneros, como por exemplo aquela ideia de que os homens traem e as mulheres choram. Algumas situações beiram o desnecessário e eu até cheguei a me perguntar se o roteiro tinha saído da cabeça de um homem. Mas não, ele foi escrito por duas mulheres: Ariane Fert e Eleonore Pourriat, que também dirige o filme e tem em sua filmografia outras obras de tom feminista.
Aliás, tem muito homem que ao ver o filme deve achar que o objetivo do movimento feminista é alcançar uma sociedade como aquela, dominada por mulheres, o que qualquer pessoa que entende de feminismo sabe que não é verdade. Ou melhor dizendo: uma sociedade dominada por mulheres com comportamentos masculinos, o que não fez muito sentido pra mim. Em vez de desafiar o patriarcado, o filme por momentos reforça-o como modelo dominante, só que neste caso ele é mantido por mulheres. Não parece fazer muito sentido, mas se você assistir o filme vai entender o que eu quis dizer.
Embora seja uma boa sacada com algumas alfinetadas bem pertinentes, Eu não sou um homem fácil perde um pouco a oportunidade de fugir de alguns lugares comuns e levantar o nível do debate sobre como as mulheres são tratadas na sociedade (na nossa, não na do filme). Algumas revisões de roteiro poderiam ter ajudado a deixá-lo mais pertinente sem perder o tom de entretenimento.
Nota:
https://www.youtube.com/watch?v=4IWKcuV-62I
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