Sabe aquele filme que é tão ruim que é bom? Não é o caso de Meu nome é Dolemite, mas ele tem tudo a ver com isso. A produção estrelada por Eddie Murphy é uma homenagem aos princípios da blaxpoitation e ao cinema negro dos anos 1970.
Rudy (Eddie Murphy) é um cara de meia-idade que é uma espécie de prodígio que nunca vingou. Durante o dia ele é assistente em uma rádio e à noite tem seus cinco minutos de holofote como mestre de cerimônias em um barzinho. Segundo ele próprio, “este deveria ser seu emprego temporário”. Rudy quer mais do que isso nem tanto pela fama e dinheiro, mas para se afirmar como pessoa.
Ele se inspira nas piadas rimadas de mendigos para criar um humor único, reforçado por um alter ego: Dolemite é seu nome. Com toda aquela onda de cafetão flamboyant que hoje em dia conhecemos tão bem, ele aproveita os minutinhos de holofote para apresentar suas primeiras piadas e a plateia adora. A partir daí ele busca alcançar outros territórios, como o da música e até mesmo o do cinema.
Esta primeira metade é um pouco arrastada e formulaica até demais para aquelas cinebiografias motivacionais. Como o universo de Rudy não faz parte da nossa cultura, o humor não desce tão bem, prejudicado principalmente pela barreira do idioma. Mas não se preocupe, esta confusão é parte do show, até porque muitas pessoas no caminho de Rudy não entendiam como o público gostava do seu humor.
A história engrena mesmo quando Rudy decide fazer um filme para seu personagem Dolemite. No melhor estilo “uma resposta negra para O artista do desastre”, ele vai atrás de tudo para que o seu filme saia. Com soluções baratas, amigos trabalhando, uma equipe técnica iniciante e um diretor egocêntrico, o circo está armado – e desta vez ele vai te divertir.
Em relação ao roteiro de Meu nome é Dolemite, é tudo bem padrão. Tem toda a história de motivação, ascensão, perrengues com dinheiro e, por fim, a glória. As dificuldades são vencidas facilmente e Rudy é um personagem quase que unidimensional, tem ali um trauma com um pai abusivo, mas nada muito profundo ou conflitante.
Mas o que ganha o público neste filme é a devoção com que Eddie Murphy carrega o seu personagem. Dá pra ver que ele se entrega de corpo e alma, enquanto o resto do elenco também parece estar se divertindo enquanto faz o filme. Faz muito tempo que a gente não vê Murphy tão envolvido com um personagem, provavelmente desde a década de 1980.
Outra surpresa boa é a participação de Wesley Snipes como o diretor D’Urville, o único que enxerga o desastre que aquele filme vai ser. Snipes passou tanto tempo querendo ser levado a sério em filmes de ação que a gente até esquece como ele é um bom ator de comédia. É caricato? Sim, mas serve ao propósito do filme e rende boas risadas.
As questões raciais, que nós não podemos deixar de citar, são trabalhadas de forma até ponderada no filme, dando algumas alfinetadas na indústria cinematográfica até nos dias de hoje. Desde o início entendemos os obstáculos de Rudy por ser negro. Não somente pela cor da pele, mas pela cultura dos guetos, tão segregada naquela época. Durante a produção do filme há inclusive um questionamento sobre a equipe de fotografia ser formada por brancos “que não entendem que a luz sobre a pele negra deve ser diferente”. Rudy não se importa com isso, até porque a luz era o menor dos problemas naquilo tudo. Aliás, tecnicamente, não temos o que reclamar de Meu nome é Dolemite. O diretor Craig Brewer entrega um trabalho redondinho que transporta todo mundo à ensolarada Los Angeles dos anos 1970.
A luta de Rudy para fazer o filme de Dolemite se encontra na própria luta de Eddie Murphy para que este filme saísse do papel. Claro, salvas as devidas proporções. Rudy era um cara de meia idade buscando o estrelado e Eddie Murphy já é um astro consolidado – embora em um hiato de bons trabalhos. Dá pra perceber que Murphy tem Rudy como uma de suas inspirações, o que dá ainda mais autenticidade a seu personagem no filme.
Embora não seja a cinebiografia mais original que exista, Meu nome é Dolemite presta uma bela homenagem à cultura negra dos anos 1970 e a um dos precursores das rimas do rap. É também uma ótima lembrança de por que a gente gostava tanto do Eddie Murphy e um bom entretenimento na Netflix.
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