Filmes sobre obesidade ainda penam para encontrar o tom certo. Há alguns anos (e nem faz tanto tempo assim!) personagens gordos eram motivo de escárnio ou alívio cômico. Felizmente, há cada vez mais produções comprometidas com uma abordagem mais respeitosa e inclusiva.
A nossa delicada relação com o próprio corpo ainda é tabu em Hollywood, uma indústria que na maioria das vezes reforça padrões de “beleza” inalcançáveis. Simplesmente falar sobre obesidade ou distúrbios alimentares não é suficiente, é preciso tratar o assunto de maneira responsável.
Este assunto foi tema no nosso podcast Sex and the Flix. Clique aqui para ouvir no Spotify ou YouTube.
Para saber quais filmes sobre obesidade e a nossa delicada relação com o peso são bons exemplos e de quais fugir, selecionamos alguns exemplos dos dois lados:
Muitos torcem o nariz por esta produção por ela ser um musical multicolorido, mas é incrível como um filme tão alegre e pra cima consegue abordar temas tão pesados da sociedade, como obesidade e racismo. Adaptado de um musical dos palcos, Hairspray conta a história de Tracy (Nikki Blonsky), uma menina que sonha em ganhar um concurso de um programa de TV dos anos 1960. Ela não se envergonha de seus quilos a mais, diferentemente de sua tímida mãe Edna (John Travolta).
Além da luta por inclusão por causa do seu peso, Tracy ainda luta pelo fim da segregação entre negros e brancos no programa de TV, ainda mais por se tratar de uma história ambientada na década marcada pela luta dos Direitos Civis nos Estados Unidos.
Um dos melhores exemplos de filme para quem quer encarar o seu projeto verão ou a sua resolução de Ano Novo com o pé no chão. Brittany (Jillian Bell) é uma mulher de 27 anos com uma vida bem desregrada, tanto com relação ao seu emprego como aos seus hábitos alimentares e de bebida. Após uma consulta ao médico para conseguir uma receita de antidepressivos, ela se dá conta de que precisará fazer alguns ajustes no seu estilo de vida para ter mais saúde. Não se trata de uma questão estética, já que Brittany não vê problema com o seu peso.
Impossibilitada de pagar as altas mensalidades das academias, Brittany começa a participar de grupos de corrida – algo visto com escárnio por ela há pouco tempo. Motivada por seus novos amigos no grupo, ela começa a rever alguns relacionamentos tóxicos e estabelece uma nova meta: participar da disputada Maratona de Nova York. Apesar de ser uma comédia leve, A Maratona de Brittany apesenta exemplos bem reais das várias dificuldades que pessoas que buscam hábitos saudáveis enfrentam em sua jornada. Possivelmente por ser inspirado em um caso real.
Tem algo mais opressor para a insegurança de mulheres em relação a seus corpos do que concursos de beleza? Em Dumplin’, Willowdean (Danielle Macdonald) é uma adolescente acima do peso que vive à sombra da mãe Rosie (Jennifer Aniston), uma ex-miss que coordena o concurso de beleza local.
Como forma de protesto e em reflexo a sua complicada relação com a mãe, Willowdean e suas amigas fora do “padrão” se inscrevem na competição dispostas a desafiar o que é considerado “bonito” nestes concursos. Não é um dos melhores filmes da Netflix, mas tem uma mensagem importante sobre amar a si própria do jeito que você é.
Leia a crítica completa de Dumplin’
Esta produção da Netflix é voltada especificamente para distúrbios alimentares, em especial a anorexia. Ellen (Lily Collins) é uma mulher de 20 anos com anorexia que é enviada pelos pais a uma terapia um tanto alternativa para tratar o distúrbio – após ter sido expulsa da última clínica onde estava internada.
O problema, e provavelmente o que torna o filme mais real, é que Ellen não enxerga que tem um distúrbio, ela acredita estar 100% no controle da situação. Na nova terapia, ela conhece outras pessoas com histórias parecidas com a dela. O filme mostra que para enfrentar um problema como este, o primeiro passo é aceitar e reconhecer a sua existência.
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Originalmente, a história é inspirada no clássico O Médico e o Monstro, sobre um cientista meio nerd que bebe uma poção que o transforma em um garanhão. Pelo menos é assim no filme de 1963, estrelado por Jerry Lewis. Por algum motivo, o remake estrelado por Eddie Murphy ainda adicionou o fato do Prof. Klump (não mais Kelp) ser obeso e de a poção criada por ele fazê-lo perder peso.
O filme traz todo tipo de mensagens erradas de que basta uma pessoa ser magra para, num passo de mágica, ela se tornar um “partidão”. Não importa o fato de Klump ser um homem amável e inteligente, ele PRECISA ser magro. Como se isso não fosse suficiente, há várias piadas sobre sobrepeso, principalmente nas cenas que envolvem toda a família Klump – interpretada em sua maioria pelo próprio Eddie Murphy.
Além de um péssimo roteiro, O Amor é Cego contém todo tipo de piada gordofóbica fingindo passar a mensagem de “beleza interior”. Hal (Jack Black) é um cara que só sai com mulheres altas e magras, apesar de ele ser gordo e baixinho. Depois de desaforar algum tipo de guru, ele é hipnotizado a só ver a aparência das pessoas por sua “beleza interior” (seja lá o que isso signifique). Já começamos errado pelo mantra “Shallow Hal wants a cow”, que pode ser traduzido literalmente para “Hal superficial quer uma vaca”. É.
Depois disso ele se apaixona por Rosemary (Gwyneth Paltrow), uma mulher que ele não enxerga, mas tem seus 200kg ou mais. Ela fica desconfiada de que alguém como ele se interessaria por ela, mas embarca no romance. Há ainda o fato de ela vir de uma família riquíssima, o que aumenta a desconfiança de outras pessoas ao redor. A mensagem do filme é meio que “tudo bem você ser gordo de você for uma pessoa de bom coração”. E rica, claro.
Quase um caso de “revenge body”, neste filme Chris (Ryan Reynolds) é um bem-sucedido executivo de uma gravadora que, por causa de um problema em um voo, é obrigado a passar uns dias em sua cidade natal e revisitar familiares e amigos. O lance é que quando ele saiu de lá era um adolescente gordinho, como se isso fosse algum tipo de crime. Nos dias em que está lá, ele tenta desviar da cantora cliente/ex-affair doidona e se reaproximar da melhor amiga da adolescência, em quem ele, pasmem, também tinha um crush, mas nunca conseguiu se declarar.
Mais um caso ao estilo Professor Aloprado: só porque o cara é magro, de repente ele virou um partidão. Mesmo com sua nova aparência de galã, Chris ainda força a barra para impressionar seu interesse amoroso e competir com um ex-colega que virou paramédico.
Eu sei que muitas mulheres amam este filme e em algum ponto já se identificaram com a protagonista que, com aquele jeito meio desajeitado, é super acessível e gente como a gente. Eu sei, eu me identifico. Mas isso não perdoa os crimes do filme em reforçar a imagem de que mulheres estão sempre em busca do peso ideal e que, se estiverem com uns quilinhos a mais, sempre terão problemas com baixa autoestima. Bridget (Renée Zellweger) sofre bullying, até dos próprios familiares, e o peso é um dos motivos.
Além disso, já repararam como o figurino dela prece projetado para transmitir uma personagem brega e que parece nunca estar com uma roupa adequada ao próprio tamanho? Ou são muito justas ou gigantes. E é justamente este reforço de todas as falhas da personagem que nos faz acreditar que ela é realmente muito sortuda por ter conseguido um cara como o Darcy (Colin Firth), que tem péssimas habilidades de comunicação.
Como se o filme em si já não tivesse problemas suficientes, os bastidores têm uma história bem chata: Renée Zellweger precisou engordar nas duas primeiras vezes em que viveu Bridget, o que ajudou nos problemas de autoimagem da atriz. Para o terceiro filme, ela se recusou a interferir no peso para interpretar o papel.