Um dos maiores (e inusitados) sucessos da Netflix é o filme turco Milagre na Cela 7. A produção é um remake do original sul-coreano de 2013, que rendeu várias adaptações de outros países, incluindo esta. O melodrama é uma mistura de À espera de um milagre, Uma lição de amor e Mulheres de areia, com toques de novela mexicana. Ficou confuso? Vamos lá!
O tema central aqui é o relacionamento de Memo (Aras Bulut Iynemli) com sua filha Ova (Nisa Sofiya Aksongur). Apesar de ter deficiência intelectual, Memo é um pai amoroso que, apesar da vida humilde, faz o que pode pela felicidade da pequena – bem na vibe de Uma Lição de amor com Tonho da Lua no lugar de Sean Penn. Ele cuida de sua filha com a ajuda da avó, já que a mãe de Ova faleceu quando ela era muito pequena.
Mas a relação afetuosa e um tanto mágica dos dois sofre uma dura separação quando Memo é acusado injustamente de ter matado a filha de um militar e, sem nenhum direito a defesa, é levado para a prisão. A coisa é bem injusta mesmo, com direito a fazê-lo “assinar” confissões à força. Além de ir para a prisão comum em vez de uma instituição psiquiátrica, ele também não tem direito a visitas, deixando a separação de Ova ainda mais dolorosa.
Lógico que o ingresso dele na prisão não é dos mais fáceis, principalmente ao ser inserido em uma cela com vários criminosos. Apesar da hostilização inicial, Memo acaba conquistando os colegas com sua pureza e ingenuidade, levando-os a perceber a injustiça que está sendo cometida com o personagem. Algo que lembra uma versão mais superficial e menos mística de John Coffey em À espera de um milagre.
A partir daí Milagre na Cela 7 se empenha em buscar formas de provar a inocência de Memo e permitir que ele se reencontre com Ova. Um enredo que não parece justificar as mais de duas horas (2h12, pra ser mais preciso) de investimento na trama.
Em primeiro lugar é preciso esclarecer que se trata de uma história genuinamente triste, principalmente no que diz respeito a todas as injustiças cometidas com Memo. A trama sozinha é capaz de sensibilizar até as mais frias audiências. Acrescente isso ao carisma de Aras Bulut Iynemli no papel principal e os grandes olhos azuis da pequena Nisa Sofiya Aksongu e você já tem um prato cheio de lágrimas do público.
O problema é que o filme não se contenta com isso e utiliza ainda mais artifícios para arrancar suas lágrimas. O drama dá lugar ao melodrama e até a uma manipulação de sentimentos com fatídicas cenas que enfatizam ainda mais a tristeza da separação, embaladas, é claro, por uma trilha sonora de destruir corações. The choradeira is real!
Quando caímos no campo do melodrama a aposta fica um pouco mais alta, já que algumas audiências se sentem realmente mais tocadas por estes elementos. No entanto, a própria história acaba perdendo força com estes artifícios e parte do público pode se sentir manipulada de forma barata e acaba até se irritando com um filme que parecia tão genuíno.
Apesar do roteiro sair fragilizado, a atuação de Aras Bulut Iynemli deve ser reconhecida. Mesmo um pouco caricato, o personagem consegue transmitir a pureza necessária, a malícia inocente de uma criança e o carisma necessário para que você torça pelo personagem e se sinta pessoalmente incomodado se algo de ruim acontecer a ele.
O design de produção é um tanto curioso, ainda mais pelo meu desconhecimento ocidental de como seria a Turquia na década de 1980. Se eu não soubesse do país e não ouvisse o idioma, arriscaria que a coisa toda se passa no México. A tal da cela 7 parece ter saído de algum dos dramalhões mexicanos exibidos pelo SBT nos anos 1990 e até a professora de Ova tem vibes pesadas da Professora Helena de Carrossel.
Se você gosta destes dramalhões, está na bad e quer botar tudo pra fora com todas as suas forças, Milagre na Cela 7 pode ser uma pedida interessante para ajudar no seu desgraçamento. Agora, se o melodrama não é muito a sua praia, pode passar batido no catálogo com a paz de espírito de que não está perdendo nenhuma obra-prima. Entenda: o filme quer suas lágrimas, mas você pode escolher depositá-las em outro lugar, como boletos, por exemplo.
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