Suspíria: A Dança do Medo | Explicando o filme

    Suspíria

    A nova versão do filme Suspíria: A Dança do Medo, dirigida por Luca Guadagnino (de Me chame pelo seu nome), é um daqueles filmes para desgraçar as ideias, deixar o espectador chocado / coçando a cabeça e que pode render uma infinidade de interpretações, principalmente se assistido mais de uma vez.

    A história se passa na Alemanha, nos anos 1970, quando o país e sua capital ainda eram divididos e os ataques do grupo terrorista Baader Meinhof causavam pânico em todo mundo. Neste contexto a americana Susie (Dakota Johnson) ingressa para a renomada Companhia de Dança Markos. O objetivo dela é ser orientada pela famosa dançarina Madame Blanc (Tilda Swinton).

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    Mas o que era pra ser apenas uma oportunidade na carreira de Susie logo se revela como algo muito mais tenebroso. Logo no início a Companhia Markos mostra abrigar um coven de bruxas, que busca substituir sua líder Helena Markos (Swinton de novo), já que ela está prestes a morrer.

    O espectador recebe vários sinais de alerta quanto aos perigos da Academia, com a história abrindo em uma consulta da dançarina Patricia (Chloë Grace Moretz) com o psicólogo Dr. Klemperer (uma surpreendente Tilda Swinton). Ela fala sobre coisas aparentemente desconexas, em tom de paranoia, mas que na verdade são denúncias contra a companhia de dança. Não demora muito para que Patricia desapareça, levantando suspeitas sobre a Companhia Markos.

    Assim como Patricia, outra dançarina, Olga (Elena Fokina), passa a desconfiar das intenções do grupo de dança e tenta ir embora, mas começa a perder a visão e se encontra presa em um quarto de espelhos. Em uma das sequências mais bem-executadas do filme, a coreografia de Susie, em um ensaio na sala de cima, funciona como uma espécie de vudu, torturando Olga, com direito a quebrar os ossos da colega – tudo isso, claro, sem Susie saber (ou não?).

    Logo de cara fica claro que o filme pretende transmitir muito mais do que é visto. Com notícias recorrentes sobre ataques terroristas, uma atmosfera cinzenta do inverno em Berlim, flashbacks sobre a morte da mãe de Susie e menções às três mães (Tristeza, Lágrimas e Suspiros), o longa insinua que há mais do que ele se dispõe a mostrar. Pena que estes paralelos acabam ficando um tanto vagos, mas vamos tentar explicar quais alegorias podem ser identificadas.

    Suspíria

    Afinal, qual o significado de Suspíria? [contém spoilers]

    Como mencionei, podemos identificar não apenas uma explicação oculta no filme, mas algumas. Uma delas busca reafirmar a força feminina, principalmente para sobreviver a períodos nefastos. Assim que Susie chega em Berlim alguém comenta que a Markos sobreviveu aos anos de guerra, quando “o governo dizia para mulheres fecharem suas mentes e abrirem seus úteros”.

    Outra prova disso é a escassez de personagens masculinos na história. Fora a breve aparição de dois policiais, o único homem que contribui com a trama é o psicólogo (que ironicamente é interpretado por uma mulher). Porém, a sua participação é mais como a de um mero espectador, ou pior, como alguém que teve a chance de salvar várias mulheres que passaram por sua vida, mas falhou em cada uma delas. A primeira delas é sua esposa, que não sobreviveu ao Holocausto, e depois sua paciente Patricia e outra dançarina, Sara (Mia Goth), que o ajuda a investigar o desaparecimento da colega, mas acaba sendo pega pelo coven.

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    No final do filme, quando há um ritual para que Susie dê a vida por Markos (ou algo do gênero), a dançarina se revela ser a verdadeira Mãe dos Suspiros, o que resulta na morte de Markos e todas as suas apoiadoras. Klemperer participa do ritual explicitamente como “testemunha”, lembrando que até nos dias de hoje o que acontece exclusivamente com mulheres parece só ser validado se houver algum testemunho masculino.

    A relação de Kleperer como testemunha se encaixa muito bem com sua incapacidade de salvar mulheres, o que também é uma espécie de punição por descreditar o que mulheres lhe falavam. Na cena de abertura percebemos que ele dá pouca importância para os relatos de Patricia, considerando meramente um ataque histérico da jovem. Quantas vezes mulheres que dizem a verdade são tratadas como loucas, não é mesmo?

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    Esse hábito de ignorar a realidade pode também se encaixar na passividade espectadora das pessoas. Ao longo do filme são vistas ou ouvidas várias atrocidades, como ataques terroristas e sequestros de aviões, mas que são ignoradas pelos personagens. O que nos leva a uma interpretação mais política das mensagens ocultas de Suspíria.

    Foi com passividade que as pessoas permitiram a ascensão do fascismo e de tantos regimes autoritários e totalitários que causaram o horror pelo mundo. A dança de Susie, torturando a coleguinha da sala ao lado, pode ser interpretada como uma alegoria de como os governantes manipulam e destroem as pessoas sem que elas possam fazer algo a respeito.

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    No entanto, quando Susie tem a última conversa do filme com Klemperer, ela tira um pouco a culpa dos espectadores, dando a ideia que a punição sempre deve recair sobre os malfeitores, os governantes e demais pessoas que causam o mal intencionalmente. Afinal, no filme, a “Mãe dos Suspiros” acabou punindo somente aqueles que abusaram de seus poderes e os utilizaram para o mal.

    Mas afinal, Suspíria é bom?

    Confesso que filmes que causam desgraçamento e vários nós na minha cabeça me atraem. No entanto, Suspíria ora parece um pouco perdido no choque pelo choque e deixa de dar a devida atenção aos temas que pretende pontuar. Não há muita profundidade nos personagens e a própria Susie, que deveria ser a principal, às vezes parece sufocada pelos eventos paralelos da história.

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    Outra coisa que me incomoda um pouco é: se o filme tem uma mensagem tão forte sobre feminismo, sobre mulheres sobrevivendo a períodos tenebrosos, por que o projeto não foi dirigido por uma mulher? Acredito que Luca Guadagnino tenha tentado fazer o melhor aqui, mas não deixa de ser uma história de mulheres contada por um homem. No filme, algumas mulheres ainda são vistas de forma depreciativa e há uma exploração desnecessária do corpo feminino em alguns momentos. É quase como aqueles coaches homens de “empoderamento feminino”.

    Fora os problemas de superficialidade e este detalhe da direção, Suspíria ainda é um filme instigante que vai te dar muito assunto para pensar e debater com os coleguinhas que também assistiram. Eu certamente vou querer ver mais vezes, mas não tão cedo.

    Nota:

    Imagens: © Amazon Studios


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