Um dos filmes mais esperados do ano, It: A Coisa podia ter dado muito errado: elenco infantil que não está à altura, jump scares fáceis, ritmo acelerado para comprimir cerca de mil páginas em duas horas de filme e, é claro, mexer em uma das principais obras de suspense e terror, do queridinho Stephen King. Felizmente nada disso se concretiza e o diretor Andy Muschietti consegue entregar um filme contagiante tanto para os fãs do King como para aqueles que estão se deparando com a história pela primeira vez.
A história se passa em Derry, uma cidade que tem índices alarmantes de mortes e desaparecimentos de pessoas, principalmente de crianças. No verão de 1989 sete crianças com seus 11 anos, autointituladas de “Clube dos Perdedores”, lidam tanto com o bullying das pessoas “reais” como com acontecimentos assustadores que se manifestam de forma distinta para cada um deles. O líder extraoficial do grupo, Bill “Gaguinho” (Jaeden Lieberher) também tem o objetivo de descobrir o que aconteceu com seu irmão Georgie (Jackson Robert Scott), desaparecido desde o ano anterior.
De certa forma, todos os acontecimentos estão ligados ao misterioso palhaço Pennywise (Bill Skarsgård) e ao sistema de esgoto da cidade de Derry. Com a ajuda da pesquisa de Ben (Jeremy Ray Taylor), eles descobrem que coisas estranhas e horríveis acontecem na cidade a cada 27 anos, causando desaparecimentos e assassinatos. Juntos, eles decidem enfrentar “A Coisa” para que a cidade volte ao normal (e para salvar a própria pele).
Quem for ao cinema atrás daqueles enlatados de filmes de terror osquestrados pelos jump scares pode até se decepcionar um pouco. O filme foca muito mais na amizade das crianças do que nas cenas de terror. Há uma grande nostalgia não apenas para quem cresceu nos anos 1980 e sabe Os Goonies e Conta Comigo de cor, mas para todo mundo que já teve 11 anos e um grupo de amigos. Os acontecimentos relacionados à Coisa são uma bela metáfora para o amadurecimento pelo qual todos nós somos obrigados a passar ao encarar os nossos medos. É uma obra gostosa de assistir e que consegue cativar o público nos alívios cômicos e também nos momentos de terror. Nós acabamos nos importando com aquelas crianças e torcemos por elas. (É sério, eu fui numa sessão cheia e todo mundo estava super à vontade para rir e se assustar).
O elenco merece alguns destaques: Sophia Lillis, que interpreta Beverly, a única menina do grupo; Finn Wolfhard, conhecido dos fãs de Stranger Things, que interpreta o debochado Richie, o melhor alívio cômico do filme; e Jack Dylan Grazer, com a hilária hipocondria de Eddie. Em relação aos livros, Richie e Eddie cresceram significativamente. Minha única reclamação sobre os papéis aqui é a falta de espaço para o desenvolvimento de Mike (Chosen Jacobs). Ele é muito mais importante para a história do que o filme mostra. Fica a torcida para que no segundo capítulo ele receba o espaço que o personagem exige.
Sim, vai ter continuação. E aqui acho que está o maior cuidado com a adaptação do livro. Na história original os acontecimentos se passam em dois tempos: quando o Clube dos Perdedores está com seus 11 anos, exatamente como no filme, e 27 anos depois, quando todos eles precisam enfrentar a Coisa novamente. O filme focou apenas na primeira parte, já deixando engatada a possibilidade de continuação. Embora a sinergia entre os dois momentos seja lindamente costurada no livro, acredito que a adaptação cinematográfica acabe ganhando com essa divisão, assim podemos digerir melhor cada parte da história.
Aliás, mesmo com várias mudanças no roteiro, o filme consegue se manter fiel à essência do original. Não emburreceu nem simplificou a obra, o que é sempre a nossa principal preocupação quando é feita essa transposição (vide A Torre Negra). Um dos momentos que eu mais temia era o final, já que eu não gosto do desfecho deste arco no livro e também não gosto do final de Mama, filme também dirigido por Muschietti. Mas, fora todo o clichê da donzela em apuros, ficou muito melhor que o original e fechou bem a história.
Um ponto que eu acho que prejudicou um pouco a produção foi a repetição das sequências de susto envolvendo Pennywise. A sequência era sempre a mesma! Na primeira vez pode assustar, mas depois da sexta a gente só ri. Poderiam ter sido um pouco mais criativos neste aspecto.
Mas de forma geral, é um filme que equilibra bem aquele clima de aventura, mistério, fantasia e terror que todos nós gostamos tanto. A tarefa não era nada fácil, mas o resultado foi bem redondinho: bem feito e com uma capacidade absurda de engajar o público. Fica a torcida para que este encanto se mantenha no segundo capítulo.
Nota: