Este definitivamente é o ano das adaptações do Stephen King, para o bem ou para o mal. Depois da decepção de A Torre Negra e os recordes de It: A Coisa, um filme chegou bem discretamente no catálogo da Netflix, que também assina a produção: Jogo Perigoso (Gerald’s Game). Pode não ser uma das obras mais conhecidas do King, mas né? O que não se aproveita deste cara?
A história se passa com Jessie (Carla Gugino), que viaja para uma casa retirada com seu marido Gerald (Bruce Greenwood). Como parte de um jogo sexual, Jessie é algemada na cama por Gerald, que não muito tempo depois tem um ataque cardíaco e morre. Sim, com Jessie presa à cama, sem ninguém por perto para ouvi-la pedindo por socorro. Ah, tem um cachorro por perto, mas ele só piora as coisas.
O que se segue é uma eclosão de medos e traumas da própria Jessie, durante todo o tempo em que ela fica algemada à cama: às vezes pensando em uma saída, às vezes apenas revisitando acontecimentos do passado que estavam há muito tempo enterrados. Parece difícil que este material sustente um filme de 1h40, mas o diretor Mike Flanagan (que também dirigiu o interessante Hush) conseguiu trazer elementos que não deixassem o filme tedioso.
Apesar de não ter lido muitos livros do Stephen King, curiosamente Jogo Perigoso foi o primeiro que eu li, há uns 10 anos. Eu queria saber como que o autor iria sustentar este tipo de história por cerca de 200 páginas. Não é uma obra-prima dele, mas King consegue manter o leitor engajado. A minha dúvida para a adaptação em filme seria justamente como conseguiriam conduzir uma história que se passa quase que inteiramente dentro da cabeça da Jessie. Aí é que entra a competência dos roteiristas e do diretor em saber diferenciar a linguagem literária da cinematográfica e conseguir dar um pouco mais de apelo aos “demônios” que atormentavam Jessie.
A atuação da Carla Gugino também é outro elemento fundamental para que a história seja crível. Stephen King costuma lidar muito com o sobrenatural em seus livros, mas aqui, fora um ou outro elemento, trata-se de uma situação possível. Absurda, mas viável. A atriz consegue transmitir todo o tormento pelo qual ela passa sem ser caricata ou sofrida demais.
Um fator que o filme não consegue competir com o livro é o sentimento de tortura ao longo da história, embora isso dependa muito do ritmo do leitor também. Eu provavelmente levei semanas ou até mesmo um mês dentro da história da Jessie enquanto lia o livro. Na minha lembrança a experiência dela era muito mais desgastante e o ambiente era muito mais ameaçador do que foi retratado no filme. Com apenas 1h40 a sensação que fica é de que tudo se passa muito rápido e não tivemos tempo de absorver todas as ameaças que envolvem Jessie.
Uma delas interfere diretamente no final do filme, provavelmente o ponto mais criticado por quem assistiu. Embora seja completamente fiel ao final do livro, no filme a coisa toda pareceu desconexa. Parecia até que existia um outro filme dentro daquele filme (filmeception!). No livro dá pra estabelecer melhor o paralelo entre os medos que estão apenas na nossa cabeça e os perigos reais, assim como o enfrentamento deles. Fez sentido. Na tela me arrisco dizer que ficou até um pouco infantil.
Apesar de suas falhas, Jogo Perigoso é um bom exemplo de terror psicológico com um pouquinho de gore e pouca ambição. Não há nada de muito inovador, mas presta um bom serviço aos fãs do King com uma adaptação extremamente fiel e uma história suficientemente interessante para quem ainda não conhecia.
Nota:
https://www.youtube.com/watch?v=N1be77YZWKI