Apóstolo | Mistério inconsistente e com crise de identidade na Netflix

    Apóstolo

     

    Num primeiro momento, Apóstolo pode até lembrar filmes como O Homem de Palha e A Vila, mas a proposta do diretor e roteirista Gareth Evans é transcender gêneros de cinema e entregar algo completamente novo. Ao passar pelo mistério, suspense, místico e gore, a produção da Netflix parece se perder na própria missão e entrega um filme genérico com gosto de algo que você já mastigou antes.

    A história é centrada em Thomas Richardson (Dan Stevens), um ex-missionário de uma família abastada que recebe a missão de resgatar sua irmã, sequestrada por um culto de uma sociedade que vive numa ilha isolada. Pouco do background do protagonista é revelado para que o público entenda melhor as suas motivações e os seus traumas. Na atuação de Dan Stevens, só parece mais um cara perturbado com excesso de tiques nervosos.

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    Na primeira metade do filme ele age praticamente como um espião, investigando o modo de vida daquela ilha, as motivações do culto e escondendo as motivações que o levaram à ilha. Logo de cara dá pra ver que algo ali funciona muito errado, com toques de recolher e sacrifícios de sangue que supostamente deveriam chocar. Aliás, o filme derrama sangue de formas tão aleatórias que eu não entendi se isso deveria assustar. Não entendo essa pira com sangue, mulheres precisam lidar com isso todos os meses.

    Com 2h10 de duração, esta primeira metade da investigação de Thomas acaba ficando bem arrastada. Rola também um subplot entre dois jovens apaixonados que dão suas escapadas (que eu nem preciso dizer o quão erradas são no contexto do culto) e que você até espera ter alguma validade pra história mais pra frente, o que não acontece. Se tirasse todo esse arco a história ainda funcionaria.

     

     

    Na segunda metade, após a frustração de ver que ainda falta mais de 1h pro filme terminar, a coisa muda de figura. O suspense dá espaço a algo mais parecido com terror e puro horror porn, do qual já estamos anestesiados depois de Jogos Mortais e O Albergue, por exemplo. É uma jogada ousada de roteiro que sabe que não poderá surpreender o seu público com a história em si, então vamos surpreender pela migração de gêneros. Não deixa de ser uma surpresa, mas ainda assim parece forçado.

    Dan Stevens e Michael Sheen (que interpreta o profeta do culto local) são os únicos nomes mais conhecidos no elenco e não dá pra dizer que qualquer um deles salva a produção. Stevens, como já mencionamos, é um apanhado de cacoetes nervosos de um personagem que supostamente tem um grande trauma mas nunca passa disso. Já Sheen, quase irreconhecível, faz aquele vilão caricato do profeta malucão do culto que faz maldades e exige sacrifícios supostamente em nome de um bem maior.

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    A má construção de personagens é tão gritante que o próprio roteiro parece tentar remediar isso com flashbacks que supostamente explicariam por que as pessoas do filme agem daquela forma. Ficou preguiçoso e inoportuno para a fluidez da história. Não dá pra colocar a culpa apenas nos atores aqui.

    Aliás já que falei em caracterização há um desleixo gigante com figurino e maquiagem aqui. Algumas roupas não fazem sentido para uma comunidade isolada do início do século 20. Rola uma mistura entre vestimentas medievais que lembram Game of Thrones e jaquetas visivelmente costuradas industrialmente. Até parece que a ilha tem uma Zara escondida em algum lugar.

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    O mesmo desleixo pode ser observado em falhas de continuidade. Tem personagem que passou pelo esgotão e saiu limpinho, tinha blusinha branca que estava quase preta e que de repente aparece limpinha, sem contar nos cabelos que inexplicavelmente se arrumavam sozinhos.

    Notei alguns erros de continuidade na montagem no filme (tipo atores em posições diferentes depois de um corte), mas esses eu vou deixar passar porque o diretor pelo menos tentou fazer algumas coisas diferentes em termos de cinematografia, movimento de câmera e edição. Há algumas sequências de cabeça pra baixo que vão girando, tomadas na altura da grama e torturas do ponto de vista do torturado que são realmente interessantes e funcionam aqui.

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    Um dos pontos fortes do filme está na trilha sonora de Aria Prayogi e Fajar Yuskemal, que tem um bom preview no trailer. Eu juro que em alguns momentos eu só senti a tensão por causa da música. Uma pena que a edição de som não tenha ficado tão boa, já que dá pra perceber que algumas cenas precisaram ser redubladas. Que fique claro: não há problema em precisar redublar uma cena, o problema é o público perceber isso.

    Com uma visão ambiciosa, mas que não conseguiu entregar mais do que tudo aquilo que já conhecemos, Apóstolo é um original Netflix raso, com crises de identidade, mas que mostra um potencial do diretor Gareth Evans para produções futuras. Para o momento, assistir ao filme só parece mais uma sessão de tortura igual às que ocorrem na ilha.

    Nota de Apóstolo:

    Imagens: Netflix

     

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