Bohemian Rhapsody | Uma visão antiquada de um fenômeno do rock

    Bohemian Rhapsody


     

    Em algum momento do filme Bohemian Rhapsody um membro do Queen diz “nós não seguimos fórmulas”. Infelizmente o mesmo não pode ser dito da cinebiografia que pretendia contar a história da banda (ou do Freddie, não fica claro): uma formulaica produção sobre a ascensão, queda e redenção no mundo do estrelato.

    Bohemian Rhapsody não é de longe uma obra completa (até porque não caberia em um filme de pouco mais de 2h) e prefere focar apenas num período de 15 anos da banda. Os eventos vão desde o momento em que Freddie Mercury (Rami Malek) entra para a banda de Brian May (Gwilym Lee) e Roger Taylor (Ben Hardy) até a icônica performance da banda no Live Aid, em 1985.

    Bohemian Rhapsody

    Desde o início o filme apela para facilitações narrativas que não conseguem nem de longe explicar o fenômeno Queen. Freddie entra muito aleatoriamente para a banda, a “descoberta” deles ocorre em uma ligação telefônica no meio de uma reunião de família e o excesso de autoconfiança do grupo (principalmente de Freddie) deixa tudo muito artificial. Até a ascensão da personagem da Lady Gaga em Nasce uma estrela é mais verossímil, e olha que estamos falando de ficção x biografia.

    Na primeira metade há um apanhado de uma dúzia de declarações que provavelmente membros do Queen deram em algum momento, mas no filme eles forçam a barra para tentar incluir as frases de efeito em conversas que supostamente deveriam ser naturais. Citações como “nenhum gueto musical pode nos conter” ou “não vou mais comprometer a minha visão” soam irritantemente petulantes e até desrespeitosas. Todos nós sabemos que o Queen é uma das maiores bandas de todos os tempos, não precisam ficar jogando na nossa cara o tempo inteiro.

     


     

    O ápice da minha irritação ocorreu na reunião com Ray Foster (Mike Myers), o tal do executivo da EMI que não queria Bohemian Rhapsody. A principal piada da situação é a referência ao filme Quanto mais idiota melhor e à cena de um Myers ainda jovem cantando justamente Bohemian Rhapsody no carro. Não precisava daquela besteira de “tenho pena da sua mulher se você acha que seis minutos são muito” ou “você vai ficar sempre conhecido como o cara que perdeu o Queen!”. Viro os olhos só de lembrar.

    Conforme o filme e a história da banda avançam, o Bohemian Rhapsody consegue subir alguns degraus. Principalmente nos momentos em que dá espaço à música, esta sim, o ponto forte do filme. A edição em shows com a passagem do tempo não esconde a energia da banda, belamente executada pelo elenco. Se fosse declaradamente um musical, com mais tempo dedicado a estes momentos, o filme seria muito melhor.

    Bohemian Rhapsody

    Porém, se por um lado o showman Freddie Mercury é muito bem representado, o mesmo não pode ser dito de todas as outras camadas que formam a sua personalidade. O Freddie fora dos palcos parece apenas uma versão simplista e politicamente correta do roqueiro que nós todos conhecemos. Aspectos como a sua sexualidade, as lascivas festas em sua residência, o abuso de drogas e até mesmo a sua luta contra a Aids foram vagamente pinceladas, quase que como uma obrigação para o filme. Tipo, “já que temos que falar, falamos”, mas fica só nisso. Chegam a ser patéticas a situação do Freddie de olho num caminhoneiro, o restinho de pó numa mesa (pra dizer que rolava droga) e o apressado episódio sobre o diagnóstico da Aids.

    Não menos complicada do que a verdadeira história do Queen foi a própria produção de Bohemian Rhapsody, que está rolando há pelo menos uns sete anos. Originalmente seria uma cinebiografia do Freddie Mercury, protagonizada pelo Sacha Baron Cohen, que pretendia explorar o lado mais obscuro do artista. No entanto, há alguns anos ele saiu da produção porque os membros da banda Brian May e Roger Taylor (também produtores executivos do filme) queriam algo mais politicamente correto e com foco mais no Queen do que em Freddie. Com o filme finalmente pronto, não dá pra dizer que eles atingiram completamente o seu objetivo. Tudo ok na parte de ser mais politicamente correto, mas o filme não é uma cinebiografia de Freddie e tampouco consegue manter seu foco na banda, já que os demais integrantes são quase que resumidos a reações às atitudes de Freddie, com nenhum aprofundamento e poucos momentos que são realmente deles. É como se a galera que continua viva quisesse se preservar como os bons-moços da parada, só que isso não renderia material pro filme, então eles ficam restritos apenas a “os outros caras do Queen”.

    Estreias de novembro de 2018

    Mas o filme ainda tem uma carta na manga depois da marca de 2h: a explosiva performance no Live Aid. Os 15 minutos finais funcionam quase que como uma lobotomia para apagar tudo de ruim e entediante que você viu até aqui. Como já falei antes, os picos do filme ocorrem com a banda junta se apresentando e aqui a edição não foi econômica em deixar o show rolando por várias músicas e minutos. É o Queen que todo mundo queria ver e o grand finale que consegue te deixar sair do cinema com uma sensação boa.

    Bohemian Rhapsody pode não ter sido o filme do Queen que todo mundo queria ver e nem de longe ter feito justiça à trajetória de Freddie Mercury e da banda. Mas é um tributo que consegue honrar aquilo que fez com que o Queen se mantivesse no nosso imaginário até os dias de hoje: boa música.

    Nota de Bohemian Rhapsody:

     

    Imagens:  Alex Bailey – © TM & © 2018 Twentieth Century Fox Film Corporation


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