Eu, Tonya | Patinando contra a corrente do Oscar

    Margot Robbie em Eu, Tonya

     

    Um dos filmes mais cheios de energia da temporada ficou nas mãos do diretor Craig Gillespie, que pegou um roteiro rejeitado para trazer às telonas um docudrama debochado sobre a patinadora artística Tonya Harding em Eu, Tonya. Mas não se engane: este não é um filme sobre esportes.

    A não ser que você seja muito fã de esportes no gelo ou tenha crescido nos Estados Unidos nos anos 1990 é provável que você não saiba muito sobre a Tonya Harding, interpretada aqui por Margot Robbie. E isso é até melhor para absorver a história sem tendencionismos. Vi críticas absurdas contra o filme simplesmente porque a pessoa não ia com a cara da Tonya e o filme nos faz entender o porquê disso.

    Margot Robbie em Eu, Tonya

    Em tom de documentário e filme de ficção, o filme quebra a quarta parede para contar a história de Tonya e de como ela era um prodígio da patinação, mesmo crescendo em um lar tóxico, principalmente por causa dos constantes abusos da mãe (uma maravilhosamente tóxica Allison Janney). A sorte de Tonya parece que vai mudar quando ela sai de casa para viver com o seu namorado Jeff (Sebastian Stan), mas o conto de fadas não dura muito tempo quando ela se vê em outro relacionamento abusivo, agora com muito mais violência física.

    Paralelamente a tudo isso, ela se dedica à carreira de patinadora, abandonando a escola e pegando os empregos que consegue para ajudar a bancar o que ela considera ser a sua verdadeira vocação. Mas apesar de todo o seu talento e habilidade, Tonya continua não sendo bem-vinda neste esporte absolutamente elitista que é a patinação artística. Sua atitude, escolha de música e figurino continuam sendo um empecilho para que ela ganhe notas melhores e se destaque de verdade no meio. Coincidentemente nestas Olimpíadas de inverno eu vi um comentário que dizia: “A patinação artística é o único esporte em que você pode executar tudo com perfeição e é capaz de perder pontos porque a sua roupa não tinha brilho o suficiente”. É mais ou menos isso.

     


     

    O clímax do filme fica com o “incidente” que fez Tonya ser conhecida e odiada em todo mundo: pouco antes das Olimpíadas, sua concorrente Nancy Kerrigan tem as pernas machucadas em um ataque. Não vou dar muitos detalhes de como eles fazem isso no filme, mas como história não é spoiler: Tonya é associada ao episódio e isso acaba com a sua carreira na patinação.

    Apesar de tanta desgraça acontecendo, o filme utiliza o tom de deboche para elevar o absurdo que era a vida dela. Como eu falei, a produção foca menos no aspecto da patinação e muito mais nos abusos que Tonya sofria do marido e da mãe. Nem por isso a protagonista é vitimizada, até porque a força dela também acaba se transformando em violência. Tonya podia apanhar, mas ela batia de volta. Além disso, o humor parece tirar um pouco o peso da violência, até porque nos Estados Unidos ninguém compraria a imagem de uma Tonya Harding coitadinha.

    Margot Robbie realmente me surpreendeu vivendo Tonya. Apesar da gente saber que tem muito CGI nas cenas de patinação, as expressões dela são totalmente reais. É uma personagem que realmente nunca pode contar com a sorte e ainda assim tentou fazer o melhor que pôde para seguir o seu sonho. A Margot conseguiu dosar bem este cansaço psicológico com determinação e revolta para mostrar que ela era maior do que tudo isso. O único porém fica no período da personagem adolescente: a caracterização não consegue nos convencer de que a personagem tem 15 anos. Até parece aquela galera de 30 e poucos anos fazendo adolescentes em Malhação.

    Mas quem chama a atenção mesmo é a Allison Janney no papel de pior mãe do cinema (ok, acho que tem outras piores). Mas a gente até estremece quando ela entra em cena, sabendo que nada de bom pode sair dali. Apesar de Tonya dever sua iniciação no esporte à mãe, não dá pra dizer que ela foi criada com “tough love” porque pra isso precisa existir “love”. Provavelmente levará o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Merecidamente.

    Allison Janney em Eu, Tonya

    A edição do filme é muito bem executada e dá dinamismo do início ao fim. Tudo acontece super rápido e ainda assim você consegue acompanhar. Achei um pouco injusto o filme não ter levado uma indicação de Melhor Direção, já que há alguns movimentos de câmera bem originais (principalmente nas cenas de patinação) e a recriação das cenas reais é de cair o queixo, não apenas pela direção de arte, mas pelas próprias atuações. Faz as cenas de créditos de O artista do desastre parecer teatrinho de escola.

    Pelo título do filme, acho que poderiam ter feito um pouco mais de justiça aos méritos da Tonya. Afinal, como que uma pessoa que cresceu naquele ambiente tóxico, trabalhava e treinava seis horas por dia conseguiu ir tão longe em um esporte que nunca a quis por perto? Beleza, quando ela era pequena era um prodígio, mas pra ser a primeira americana a executar um triple axel em competições e participar de duas Olimpíadas talento nato não é suficiente. Mesmo que o filme não queira mostrar uma grande história de superação (afinal estamos de saco cheio delas), faltou valorizar um pouco mais a protagonista que eles tinham em mãos.

    Com três indicações ao Oscar, o filme é um dos que eu considero mais injustiçados, merecendo inclusive concorrer na categoria de Melhor Filme. Mas né? Tonya Harding patinou contra a corrente a vida inteira, por que seria diferente no Oscar?

    Nota:

    Trailer de Eu, Tonya

    https://www.youtube.com/watch?v=_YSP-ADogMA

    Imagens: © 2017 – NEON

    Confira todos os indicados ao Oscar 2018

     



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