Com grandes expectativas vêm grandes decepções. Na verdade seria injusto dizer que a nova adaptação de Assassinato no Expresso do Oriente seja uma decepção completa, o filme tem muitos pontos positivos que fazem valer aquela ida ao cinema. Mas saber de todo o potencial que a história têm para conquistar as novas gerações deixa a experiência um pouco frustrante.
Caso alguém ainda não saiba, o filme é uma nova adaptação do clássico livro de Agatha Christie, em que o investigador Hercule Poirot (Kenneth Branagh) precisa desvendar um caso de assassinato à bordo do icônico trem Expresso do Oriente, em que todos os passageiros do vagão são suspeitos. O livro é o meu preferido da Agatha justamente pela complexidade da solução do caso. Ao longo das cerca de 200 páginas você se vê tão envolvido com o crime e tão perdido quando o próprio Poirot para juntar as peças do quebra-cabeça.
O primeiro crime do filme foi não proporcionar esta imersão ao espectador. Ao longo das quase duas horas de duração você está meramente assistindo a uma investigação e não se sente instigado a juntar as pistas e desvendar antes de Poirot. É uma história complexa, com muitos personagens, muitas histórias aparentemente desconexas e, de acordo com a condução do filme, muitos motivos para querer a vítima morta.
São muitos elementos em jogo e o roteiro infelizmente não deu conta de condensar tudo isso na duração do longa de forma proveitosa, em boa parte por optar em dar mais holofotes ao investigador. Eu acredito que esta decisão provavelmente sirva para fixar o personagem e render uma nova franquia de filmes (no final já deram a letra de qual será o próximo), mas acabou prejudicando o peso dos demais personagens para a história e desperdiçando um elenco brilhante, com nomes do calibre de Judi Dench, Michelle Pfeiffer, Penélope Cruz, Josh Gad, Johnny Depp, Daisy Ridley e Willem Dafoe, pra citar apenas alguns.
O resultado? Uma história com tantas facilitações narrativas que na hora de desvendar o culpado nem parece ser um plot twist, apenas uma consequência natural do caminho que a história estava tomando. Ok, eu não tenho o direito de dizer se o final é surpreendente ou não porque eu já sabia, mas o meu noivo não conhecia o final e já tinha matado o caso ali pela metade do filme.
O que deu pra perceber com o Kenneth Branagh na direção é que ele é um cara muito mais preocupado com o aspecto de filmagem do que de elenco. O design de produção é magnífico e ele toma algumas decisões muito ousadas e criativas com a câmera. A forma com que a câmera se movimenta naturalmente entre os vagões, as tomadas aéreas e as transições provocadas através dos efeitos no vidro são sensacionais e ele ganha muitos pontos por isso. Fora alguns momentos de chroma key BEM forçados, esta parte ficou mais caprichada.
Mas a direção de elenco dele me parece um tanto desleixada. Dá a impressão de que ele apostou no talento e no renome dos atores e deixou todo mundo meio freestyle ali. O que não é um problema muito grande, já que a maioria deles têm poucos minutos de tela.
Mas a grande estrela do filme, Poirot, teve muitas inconsistências ao longo da produção. E não digo de personalidade, porque isso é até esperado dependendo do momento da história. Mas o que me deixou mais revoltada é que o Branagh não conseguiu nem manter um sotaque falso consistente. No primeiro ato estava totalmente desajeitado, dava pra perceber que era um irlandês tentando fingir que falava inglês com sotaque francês. Já a bordo do trem ele conseguiu pegar um pouco mais o jeito e eu me distraí menos com isso. A ironia é que em determinado momento ele desmascara determinado personagem justamente com base no sotaque. Sotaque ruim no dos outros é refresco, né?
Como falei, não é uma perda total. O filme possui muitos pontos positivos, principalmente na parte mais técnica. Com os bons desempenhos de bilheteria, acredito (e torço) para que o Branagh consiga levar outras histórias da Agatha para as novas audiências. Só talvez seria melhor se ele ficasse apenas com o protagonista e deixasse o trabalho de trás das câmeras para outra pessoa.
Nota:
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