O primeiro homem | Tem cheiro de Oscar mas falta carisma

    O primeiro homem

     

    Filmes de ficção científica nos venderam uma imagem de altamente tecnológicas e espaçosas naves espaciais. Mas O primeiro homem não é uma ficção científica e, por isso, Damien Chazelle tira um pouco glamour da corrida espacial ao contar a história dos anos que antecederam a chegada de Neil Armstrong à Lua.

    A história começa oito anos antes da conquista lunar, quando Neil Armstrong (Ryan Gosling) e sua esposa Janet (Claire Foy) enfrentam a perdem a batalha para um câncer cerebral de sua filha de apenas dois anos. Como qualquer pessoa com pouca inteligência emocional, Armstrong enterra seus sentimentos e se joga no trabalho sem processar direito o luto.

    O primeiro homem

    Luto aliás é algo que permeia a narrativa de O primeiro homem, já que a corrida espacial que levou o homem à Lua teve seus sacrifícios em testes malsucedidos, que custaram as vidas de diversos astronautas. São estes os acontecimentos que sustentam as 2h20 de duração do filme, que culmina inevitavelmente na chegada de Neil e Buzz Aldrin (Corey Stoll) ao satélite da Terra.

    Mas essa história todo mundo conhece e é justamente por isso que o roteiro de Josh Singer tenta focar no aspecto humano e nos sacrifícios que levaram a humanid… digo, os Estados Unidos a esta conquista. O roteiro faz um bom trabalho em prender o espectador ao abordar diversos aspectos desta jornada: os astronautas sacrificados, a competição com a União Soviética e os protestos quanto aos gastos com a brincadeira. O problema é que estas questões são meramente pinceladas, não deixando claro se o filme tem um objetivo ou um posicionamento quanto a isso.

     


     

    O próprio desenvolvimento de personagem de Neil Armstrong é um tanto nebuloso. Aparentemente, pelo que o filme conta, é um cara que simplesmente enterra suas emoções e canaliza-as (ou simplesmente se distrai) para o trabalho. Nos anos 1960 ele seria simplesmente uma pessoa focada, hoje nós diríamos o quanto falta de inteligência emocional neste personagem, que precisou levar uma bronca da esposa para conversar com seus filhos sobre a possibilidade de ele morrer na missão – detalhe: isso na véspera do lançamento.

    Ryan Gosling aposta novamente no seu estilo de atuação letárgico, que mais contém do que expõe. Aparentemente o Neil Armstrong era assim mesmo, o que não dá a Gosling a oportunidade de sair da sua zona de conforto um tanto apática. Não me parece ser material para Oscar, mas não me surpreenderia se uma euforia do aniversário de 50 anos da chegada do homem à Lua desse mais méritos ao filme do que ele realmente merece. Aliás, a própria morte da filha dele no início do filme soa cada vez mais como mera facilitação narrativa para justificar as atitudes sem sentimento do personagem.

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    Por outro lado, toda a carga emocional fica com Claire Foy, que interpreta uma esposa dividida entre ser apoio emocional e precisar ser dura com os meninos na sua casa – aqui incluímos os dois filhos e o próprio Neil. Ela também dá uma de mãe durona pra cima da galera da Nasa, tratando-os como um monte de garotos que não têm nada sob controle (esta cena teria sido tão mais forte se não tivessem mostrado no trailer).

     

    Onde O primeiro homem sai ganhando

     

    Se no roteiro e nas atuações não há nada muito excepcional, o trunfo de O primeiro homem está na direção e nos aspectos técnicos que Chazelle, novamente, entrega de forma quase impecável. Por se tratar de um docudrama, o diretor busca se afastar o máximo possível do clima de ficção científica.

    Um dos aspectos que colaboram com isso é o uso de tomadas mais fechadas, quase claustrofóbicas, com a câmera no ombro, evitando o uso de tripés e dando aquelas tremidas que aproximam o filme de um documentário. Pode ser incômodo depois de um certo tempo, mas faz com que as coisas pareçam mais realistas e menos encenadas – o que é tão comum em filmes de ficção científica.

    O primeiro homem

    Outra coisa bem interessante do processo de tirar esse glamour é a forma em que os astronautas são retratados nas missões: praticamente um bando de sardinha enlatada. Esqueça as espaçosas espaçonaves, aqui eles vão espremidos em naves claustrofóbicas, olhando apenas pela sua janelinha. Aliás, este é um recurso que Chazelle não se cansa de aproveitar no filme: mostrar o espaço do ponto de vista dos astronautas.

    O diretor tenta (e consegue) dar até um toque poético, com cenas pré-conquista lunar em que o brilho da lua é bem utilizado para emoldurar os personagens. A inserção de trilha sonora em alguns momentos também me pareceu uma homenagem a 2001: Uma odisseia no espaço. Espero que tenha sido intencional – principalmente com toda a teoria conspiratória de que Stanley Kubrick teria aproveitado os cenários deste filme para encenar a chegada do homem à Lua.

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    Mas vamos voltar a falar de som porque este é outro ponto alto do filme – assim como Chazelle já fez em Whiplash e La La Land. O trabalho de mixagem é muito bem feito, equilibrando bem a edição de som, os ruídos inseridos e a trilha sonora. Aliás, já tenho torcida declarada pra trilha sonora de Justin Hurwitz ser pelo menos indicada. Ela cresce junto com a narrativa e ajuda a dar sentimento mesmo nos momentos mais técnicos e frios da trama.

    Com uma competência técnica digna de Damien Chazelle, O primeiro homem já se mostra como um forte postulante a algumas categorias do Oscar 2019, principalmente na parte técnica. Mesmo com atuações operantes e um roteiro disperso, tem qualidades suficientes para embolsar algumas estatuetas. Só não vai fazer história da mesma forma que os eventos em que ele se baseia.

    Nota:

    Imagens: Daniel McFadden – © (c) 2018 Universal.


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