Tudo o que envolve o universo de Sherlock Holmes precisa de uma aura de certa genialidade. Esta era a minha esperança para Enola Holmes, filme da Netflix com um elenco bem estreladinho: Millie Bobby Brown, Henry Cavill, Sam Claflin e Helena Bonham Carter. A história sobre a irmã mais jovem e desconhecida de Sherlock tinha apostas altas, mas não é preciso ter o olhar muito apurado de um detetive para perceber que o resultado foi apenas ok.
Vamos à história: Enola (Millie Bobby Brown) é a irmã mais nova de Sherlock Holmes (Henry Cavill) e de Mycroft (Sam Claflin), porém, por ter uma diferença de idade significativa, acabou passando a maior parte de sua vida sendo criada somente pela mãe, Eudoria (Helena Bonham Carter) – o pai dela morreu quando a garota ainda era muito pequena.
Um resumão bem editadinho no começo do filme, narrado pela própria Enola, conta esta parte da história e dá uma ideia superficial da relação dela com a mãe: que a garota havia sido educada em casa (melhor do que em qualquer escola de garotas da época), praticava lutas e esportes com a mãe e as duas eram bem amigas, apesar de Eudoria manter alguns segredos da filha. Tudo ia bem até o inesperado desaparecimento da mãe no aniversário de 16 anos da filha. O que levou a jovem Enola a buscar pistas que a levassem a Eudoria.
Para atrapalhar seus planos, seus irmãos mais velhos decidiram aparecer depois de anos morando longe. Mycroft é quem tem a guarda de Enola agora e decide que ela será educada em um colégio interno para moças e se tornará uma esposa adequada. Sherlock fica meio de fora desta treta de família – ele não defende muito abertamente a escolha de Enola, mas também não apoia a decisão do irmão.
Antes de ser enviada para lá, Enola decide fugir rumo a Londres em busca da mãe. Ao embarcar em um trem, ela conhece um jovem que também está fugindo, um futuro lorde chamado Tewkesbury (Louis Partridge). Os dois formam uma breve parceria quando ela ajuda o garoto a escapar de um homem que está em seu encalço, mas a jovem prefere seguir sozinha em sua missão.
Com dinheiro de Mycroft, ela consegue seguir com seu plano de encontrar a mãe em Londres, mas é pega por alguns contratempos, como o fato de seus irmãos terem lhe encontrado e também por conhecer um pouco mais do perigo que Tewkesbury pode estar correndo. Há muita coisa acontecendo na vida de Enola agora.
Primeiro vamos à parte boa: Millie Bobby Brown foi uma escolha certeira para o papel da personagem. Ela tem o carisma suficiente para sustentar uma Enola visivelmente inteligente, mas pontualmente vulnerável, sem a arrogância que seu irmão mais famoso normalmente carrega. Estamos falando de uma personagem muito mais capaz de conquistar a simpatia do público.
Isso se mostra particularmente útil nas conversas que a personagem tem com o espectador, durante as várias (e enfatizo o VÁRIAS) vezes em que o filme utiliza o recurso da quebra da quarta parede. Eu entendo que para a Geração Z isso possivelmente faça muito sentido, pois se aproxima da cultura dos influenciadores on-line, que estão o tempo todo conversando com o seu público. Porém, este recurso deve ser utilizado com muito cuidado para não se tornar excessivo e para não haver muita facilitação narrativa. Um exemplo recorrente em Enola Holmes foi o excesso de verbalizações de pensamentos da personagem. Isso parece subestimar a capacidade do espectador, mesmo em um filme direcionado a audiências mais jovens (essa galera é muito esperta!), e limitar a capacidade dramática da atriz, que poderia demonstrar tais emoções sem a necessidade de dizer o tempo inteiro como se sentia ou o que estava pensando.
Superado isso e tendo ciência de que é um filme para o público infantojuvenil (não classificaria como jovem adulto), tudo ainda me pareceu fácil demais e um tanto superficial. Ao tentar abraçar a biografia de Enola, a investigação do paradeiro da mãe e a trama com Tewkesbury, todas as soluções pareceram fáceis demais de se encontrar e os motivos que levaram a tais conflitos não foram devidamente aprofundados. Claro, não precisava ser nada muito absurdo, mas as motivações da mãe, por exemplo, foram explicadas muito apressadamente, principalmente por ser o mistério que deveria sustentar a trama. Nada digno das intrincadas investigações de Sherlock Holmes.
Ok, já que falamos de Sherlock Holmes eu preciso desabafar: Henry Cavill como Sherlock simplesmente não deu! Não sei se o meu problema foi com o Sherlock galã ou com a falta de versatilidade do ator, mas aquilo ali não era o Sherlock Holmes que eu conheço. O detetive é conhecido por ser um personagem excêntrico, problemático e arrogante na mesma medida em que é genial. Nada disso estava ali. Cavill optou por um Sherlock introvertido, quietão e discreto até demais. Claro que ninguém queria que ele ofuscasse o filme da irmã, mas não foi honesto com o personagem. Sam Claflin entregou um Mycroft muito melhor (mesmo sendo meio caricato) e acredito que ele seria uma escolha mais adequada para Sherlock.
Tecnicamente, o que mais me chamou a atenção foi a edição, que deu um tom modernoso bem pertinente a algumas explicações. Porém, ao mesmo tempo, soltou algumas cenas de flashback desnecessárias quando Enola explicava algo. Novamente, subestimando a inteligência do público. Apesar de ter gostado da fotografia de forma geral, principalmente em locações mais no interior, os efeitos visuais são bem fraquinhos – não consigo superar aquela Londres de CGI.
O roteiro busca manter um ritmo bem constante para um filme de aventura, ele não chega a ficar entediante. Porém, como a trama parecia fácil demais de resolver, o longa pode fazer o público perder um pouco de interesse justamente por se tornar previsível demais. Até algumas tentativas de suspense não dão muito certo, como por exemplo quando um ou outro personagem parecem estar mortos – mas nós sabemos que eles são importantes demais para morrer e que aquilo ali não é nenhum Game of Thrones.
Acho válida a proposta de termos uma protagonista mulher nas histórias do Sherlock (sem que seja apenas a mudança de sexo do personagem). Infelizmente não li o original de Nancy Springer e não sei se no livro a coisa fica um pouco mais inteligente. Millie Bobby Brown entrega uma Enola sagaz e ao mesmo tempo amável, uma heroína em quem as jovens audiências podem se espelhar.
Como filme, Enola Holmes é uma divertida opção para ver com toda a família. Não irá fazer a sua cabeça explodir pela inteligência do roteiro ou pela qualidade da produção. Porém, o desperdício de um bom elenco em um filme que fica o tempo todo se justificando é elementar, meu caro leitor.
Nota: