Afinal, filmes de super-herói estão acabando com o cinema?

    Filmes de super-herói


     

    Recentemente, a atriz Jodie Foster comentou em uma entrevista de rádio que filmes de super-herói estão acabando com a indústria cinematográfica. “É como extrair petróleo: você consegue um grande lucro agora, mas destrói o meio-ambiente”. E aí, pegou pesado?

    Pra colocar no contexto da entrevista, a Jodie não estava falando especificamente dos filmes de super-herói, mas sim, dos grandes blockbusters que, embora façam grandes bilheterias, também sugam boa parte dos investimentos dos estúdios, que acabam produzindo menos filmes por ano para se concentrar nestas superproduções.

     

    De quem é a culpa?

    Assim como qualquer empresa, os estúdios têm um objetivo principal que é: lucrar! E este é o tipo de filme que tem dado lucro. Ainda assim, eles não deixaram de fazer filmes com mais de dois neurônios, é claro. Mas, da mesma forma que os estúdios precisam faturar, as salas de cinema precisam vender ingressos. Mesmo que a gente saiba que a maior parte do faturamento venha da bomboniére, eles precisam de pessoas nas salas que consumam as guloseimas (e estejam dispostas a pagar a pipoca mais superfaturada do planeta).

    Filmes de super-herói


     

     

    Então podemos dizer que a culpa é do público?

    Em partes sim. Mas há um outro jogador na equação que vem tirando pessoas dos cinemas ao longo das últimas décadas: a TV. Lembra quando falavam que o videocassete ia matar o cinema? Se você tem menos de 20 anos, nem deve saber o que é um videocassete, mas era tipo o pai dos DVDs (desse você já deve ter ouvido falar, né?). Então, hoje os cinemas enfrentam outro concorrente: os serviços de streaming. Lógico que assistir um filme numa TV não é a mesma coisa de ver em um cinema. Mas junte isso ao fato de que as telas de TV estão cada vez maiores e com mais qualidade de som e imagem. Dá pra ter quase a mesma experiência assistindo filmes na tela da TV, em casa e de pantufas.

    Filmes de super-herói: Deadpool

     

    “Cinema virou um parque de diversões”

    Esta foi outra citação da atriz durante a entrevista, que faz muito sentido pra proposta dos cinemas na atualidade. Se antes ir ao cinema era um programa de lazer, que as pessoas faziam quase que semanalmente, hoje eles se tornaram um evento. A geração “Netflix and Chill” precisa de muito mais incentivo pra sair de casa. Até porque isso significaria pagar o estacionamento do shopping, um ingresso caro, lanches superfaturados, pegar fila e sentar ao lado de desconhecidos que podem ser inconvenientes (tem gente que simplesmente não consegue deixar a porcaria do celular de lado por 2h). É preciso mais do que um filme para convencê-las, é preciso um evento!

    Filmes de super-herói

     

    Filmes são eventos

    Você provavelmente já ouviu dizer que “esse filme não precisa ver no cinema, dá pra esperar sair na Netflix” ou o contrário “o último Star Wars é bom, mas precisa ver no cinema”. Os filmes que conseguem atrair público pra uma sala de cinema são os que oferecem uma experiência inatingível até pelas maiores telas de TV. A parafernalha visual e auditiva é tão latente que não se trata apenas de um filme, mas sim, de um evento. E pra comemorar que os cinemas finalmente conseguiram atrair este público, distribuidoras jogam estas produções megalomaníacas em uma modalidade ainda mais cara de ingresso, como salas IMAX e 3D. Afinal, pra que fazer um dinheiro se eu posso fazer dois ou três dinheiros?

    Filmes de super-herói

     

    Mas só porque um filme tem efeitos ele é ruim?

    Não! Em momento algum toquei na qualidade das produções. Aliás, falamos justamente que a qualidade técnica tem que ser tão grande que atraia estes públicos. Mas essa não é uma verdade absoluta. Uma prova recente de filme que conseguiu unir um forte apelo estético e qualidade técnica, com o peso de um clássico no título, simplesmente não conseguiu atingir a meta de público: Blade Runner 2049. O filme tinha tudo: nomes caprichados no elenco, um ótimo design de produção, qualidade de som que deixa qualquer filme de super-herói no chinelo, o nome de um filme clássico e a aclamação da crítica. Ainda assim, a trama um pouquinho mais densa e a duração um pouco acima do normal afastaram o público das salas. É triste, mas é verdade.

    Filmes de super-herói

     

    Tiro, porrada e bomba

    Pra esmagadora maioria do público, cinema é entretenimento. Mas entretenimento. Ele quer apenas fugir das obrigações da rotina por duas horas e se deixar levar pela diversão. Por isso, pra conquistar públicos internacionais, quanto mais simples a mensagem, melhor a aceitação dela. Mas só a mensagem pode ser simples, o filme a gente pode encher de cenas de ação, explosões, jump scares and shit. Aliás, quanto mais efeitos, menos tempo a pessoa terá pra prestar atenção na história. E é por isso que franquias como Transformers e Velozes e Furiosos ainda estão por aí: o filme será entendido no Brasil ou na China da mesma forma que ele é entendido nos Estados Unidos ou na Austrália. É acessível, todo mundo vai entender.

     

    Efeito Netflix

    Essa concepção de “quanto mais simples melhor” também afeta o catálogo da Netflix. Com o preocupante objetivo de querer preencher 50% do seu acervo com produções próprias, a Netflix está fazendo a toque de caixa filmes e séries com qualidade cada vez mais duvidosa. Ok, nas séries eles ainda conseguem entregar bons trabalhos, como The Crown e Stranger Things, mas nos filmes a coisa está bem triste. Fora um ou outro título, como Beasts of no nationMudbound, é muito raro encontrar alguma produção original que eu consiga recomendar a outras pessoas. A maioria fica entre “apenas ok” e “uma perda de tempo total”. À medida em que a Netflix abarrota o seu catálogo com títulos deste tipo, ela retira gradativamente do catálogo filmes clássicos e consagrados (acho que não tem mais nada do Hitchcock no catálogo brasileiro, por exemplo).

    Filmes de super-herói

     

    Quem tem medo do algoritmo?

    Assim como os estúdios, os serviços de streaming estão apenas respondendo ao comportamento do público. E com muito mais propriedade. A Netflix sabe exatamente quais séries estão dando certo e como ela pode lucrar com isso. Ela te conhece, ela sugere filmes e séries baseadas no seu gosto (às vezes de forma bem duvidosa). E essa mania de colocar todos os filmes numa caixinha e repetir as fórmulas incessantemente está sim acabando com a criatividade da indústria. Pode ver, é só sair um filme um pouco mais conceitual, que você não consegue definir como suspense, drama ou terror, como foi o caso de Mãe!, que a galera já se revolta e sai vomitando a palavra “pretensioso” sem cansar.

    Jennifer Lawrence e Javier Bardem em Mãe!

    Mas e os filmes de super-herói? Estão acabando mesmo com o cinema?

    Como deu pra ver, os filmes de super-heróis são apenas reflexo do comportamento do público. Mas eles sozinhos não estão acabando com nada. Até porque dentro do segmento conseguimos encontrar alguns pontos fora da curva, como Watchmen, Logan e Deadpool. O que acaba com a indústria é a preguiça criativa, é achar que algoritmo é roteirista, é nivelar por baixo as preferências do público e achar que só há uma fórmula explosiva para filmes de sucesso. Eu prefiro acreditar que sempre haverá espaço para todos os tipos de filmes, só talvez fique cada vez mais difícil conseguir acessá-los. Talvez seja hora de voltar à coleção de DVDs.

     

    Imagens: 2018 © Marvel Studios / 2015 Fox Films / © 2017 Warner Bros. Entertainment Inc. / © 2017 Lucasfilm Ltd. / © 2017 Paramount Pictures / Netflix / Polyvinyl Records

     


     

    gdpr-image
    Utilizamos cookies em nosso site para ver como você interage e melhorar a sua experiência de navegação. Ao clicar em “Ok” ou ao continuar navegando em nosso site você concorda com a utilização dos cookies.