Coringa | Precisamos falar algumas verdades sobre o filme

    Coringa

    Bem antes de chegar aos cinemas o filme do Coringa já deu o que falar: especulações sobre o envolvimento de Martin Scorsese, ovacionado e premiado em Veneza, apontado como obra-prima por uns e como gatilho perigoso por outros. Tudo é megalomaníaco quando o assunto é este filme, o que, claro, aumenta o buzz e a bilheteria. Mas a verdade é que ele é um filme ok, nada mais.

    Aviso: Se você veio a esse post achando que não ia ter spoiler, achou errado! 

    Não vou me prolongar na sinopse porque a estas alturas você já deve saber que é uma história de origem do principal vilão do Batman, de como Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) virou o Coringa, o Palhaço, o Joker. Você também já deve ter ouvido que o filme não se parece com filme de quadrinhos (vdd) e que é um profundo ensaio psicológico sobre o personagem, o que é parcialmente verdade.

    Coringa

    Vamos partir do princípio que a base de comparação de Coringa será inevitavelmente outros filmes de quadrinhos, principalmente os que envolvem super-heróis. Pensando desta forma o filme é, sim, mais profundo. Mas se a gente parar pra pensar que filmes como Vingadores e Liga da Justiça têm a profundidade de um pires, Coringa é no máximo um prato de sopa.

    A premissa do filme de Todd Phillips é de que Arthur é quase um pária da sociedade: ele sofre de problemas psicológicos, vive em um abarrotado apartamento com a mãe que tem problemas de saúde, trabalha como palhaço em lojas e eventos e sonha em se tornar um famoso comediante. Além disso ele apanha algumas vezes de uns moleques na rua sem motivo algum e tem consultas constantes com uma assistente social/psicóloga. Temos a soma de fatores psicológicos e sociais para o nosso vilão.

    Estes elementos compõem o primeiro ato e dão um prato cheio para Joaquin Phoenix fazer o que ele faz de melhor: interpretar um cara solitário, esquisitão e que parece uma bomba-relógio (a gente já viu isso em Ela e em Você nunca esteve realmente aqui). Ele é o show do negócio, dominando quase todo o tempo de tela do filme. Não há ação sem que ele esteja por perto.

    O problema é que quando evoluímos para o segundo ato, após os assassinatos no metrô, a coisa vira uma bagunça. Este é o momento em que Arthur, sem medicação, começa a fazer as pazes com seu lado sombrio e assumir sua personalidade caótica e homicida. Só que o roteiro faz uma miscelânea envolvendo a família Wayne que ficou forçada, desconexa e anticlimática com a evolução do personagem que a gente estava acompanhando.

    Coringa

    Parece que quiseram criar ainda mais desculpas para o Coringa ser quem é: a incerteza sobre a identidade do pai, a revolta contra quem ele acha que é o pai, a revelação de ter sofrido abuso quando criança (que o filme quase que deixa ambíguo). Ah, isso sem contar que rola toda uma projeção de relacionamento com uma vizinha que desde o começo fica óbvio só se passar na cabeça dele, apesar do filme fazer questão de esfregar isso na tua cara depois.

    O terceiro ato dá uma melhorada, quando ele se assume como o Coringão mesmo. A única coisa mais desnecessária nesse ponto é todo aquele discurso contra o sistema que ele dá na entrevista pro Murray Franklin (Robert De Niro). Calma, cara. Você é o Coringa, não o V de Vingança.

    Aliás, deixa eu abrir um parêntesis aqui: a maioria da galera que eu vejo chamando Coringa de obra-de-arte, filme profundo e tals é a mesma que também pagou pau pra V de Vingança, que também é um filme de ok pra menos. Nem se compara à profundidade da história do Alan Moore.

    Coringa

    Mas voltando a Coringa, o terceiro ato dá uma melhorada e a gente chega num vilão quase no nível do Heath Ledger. Aliás, o acidente da ambulância batendo na viatura da polícia é um claro aceno a Cavaleiro das Trevas. A única coisa desnecessária mesmo aqui é a gente precisar ver pela 51153348 vez a morte dos pais do Batman. Não é o filme pra isso, parece que quis fazer algo for dummies pra explicar a rivalidade do morcegão com o vilão depois, mas a gente sabe que não vem bem daí.

    Há uma cena final que para alguns funciona quase que como um epílogo. Algumas pessoas podem não gostar, mas acho que foi uma jogada interessante pra botar aquela pulguinha atrás da orelha do público sobre a possibilidade de tudo aquilo ter se passado na cabeça dele. É um final bem Alice no País das Maravilhas, mas para a história que estava sendo conduzida até aqui faz muito sentido.

    Joaquin Phoenix

    Tá, mas então Coringa é um filme ruim?

    Calma, há exageros dos dois lados aqui, tanto de quem idolatra o filme como o da galera que detona. Há muitas qualidades sim em Coringa, principalmente na parte técnica.

    O design de produção é provavelmente o meu ponto preferido. Aliás, a estética do filme em geral é muito boa. É uma Gotham suja, sem esperança e com uma atmosfera ameaçadora. As cores utilizadas ajudam a dar esse ar de algo corrompido. E né? Ver Gotham city durante o dia é sempre interessante. Acho que é o filme que mais faz ela se parecer com uma cidade de verdade.

    Coringa tem referências muito fortes a filmes como Taxi Driver e O Rei da Comédia, principalmente. Isso fica claro na vida de Arthur, que fica entre os dois personagens de De Niro nestes filmes. O problema é que o filme bebe demais destas fontes, o que acaba o deixando bem previsível e com um pouco de cara de plágio. Vejam ou revejam estes dois filmes que vocês vão entender do que eu estou falando.

    Leia também: 7 referências para o filme do Coringa

    Robert DeNiro faz referência ao filme O Rei da Comédia

    E o Oscar? Vem?

    Falar de Oscar ainda em outubro é sempre algo delicado, mas o filme foi claramente feito com todo um ar de Oscar bait (isca pra Oscar). A atuação do Joaquin Phoenix tem aquela megalomania que a Academia costuma gostar, fora o fato de ele perder peso pro papel e dominar todas as cenas.

    Outras categorias que eu consideraria justas seriam design de produção, talvez maquiagem e fotografia também. Trilha sonora é sempre uma possibilidade, embora a aplicação das músicas tenha ficado um tanto impertinente em alguns momentos. Ela tentava forçar um impacto em cenas que não exigiam isso. Pareceu manipulador.

    Mas, como eu falei: ainda é outubro e até o final do ano tem muita coisa boa pra estrear. Sem contar que até abrirem as votações o filme perderá parte do seu hype. Mas claro, sempre tem a chance de este ser o Bohemian Rhapsody do ano que vem, aquele filme que vai me fazer passar raiva. Coincidentemente, assim como na biopic do Queen, quanto mais tempo passa desde que eu assisti Coringa menos eu gosto do filme.

    Joaquin Phoenix na corrida para o Oscar

    Meu veredito sobre Coringa

    O principal problema do filme é a torcida, tanto contra como a favor. Coringa é sim uma boa opção de entretenimento e que está acima da média de filmes de quadrinhos e super-heróis (o que pra mim não diz lá muita coisa). O roteiro prejudica bastante a experiência e, por mais que existam os cuidados estéticos, não consigo considerar isso cinema-arte. Assim como colocar uma fantasia de Batman não te transforma no Batman, adotar uma roupagem de cinema-arte não torna Coringa cinema-arte.

    A impressão que fica é que Todd Phillips quis tanto ser levado a sério, mas ainda assim agradar aos fãs, que acabou não fazendo nenhuma das duas coisas direito. O resultado é um filme tecnicamente bem-executado, mas um tanto pretensioso e que não se decide com a mensagem que quer passar. Afinal, o Coringa é mau ou apenas uma vítima da sociedade? Se depois deste filme você se identificou ou passou a admirar o personagem recomendo buscar ajuda psicológica.

    Nota:

    Imagens: © 2019 – Warner Bros. Pictures


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